quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/17/2005 11:00:47 AM

ENGOLIR SABÃO NÃO LAVA A BOCA


Fabrício Carpinejar





Morno não. Quente ou frio. Mas morno não. Eu brincava de encontrar brinquedos no jardim e o quente e frio serviam de pista para o caminho. Os irmãos gritavam a expressão-chave para decidir o rumo. Recusava ouvir morno, a mostrar que não estava nem longe nem perto. Estar no meio da palavra é ainda silêncio. A Bíblia confessa: "Deus vomitará os mornos". Realmente deve ser um gosto horrível. Até escutar essa frase não cogitava de que Deus também vomitava, tinha ressaca, exagerava no apetite e na gula, comia coisas estragadas, tomava chá de boldo.. Mas Deus odeia o morno e se engasga com a isenção.


A pior galeria da Divina Comédia de Dante não está no inferno ou no purgatório, mas em uma ala chamada de Vestíbulo, no princípio do livro, onde são depositados os que não tomaram nenhuma posição na vida. São as almas recusadas tanto por Deus como pelo Diabo, pessoas mornas, que não expressaram suas tendências, seus erros, suas verdades, suas predileções. O castigo delas é beber eternamente a água parada da chuva e comer a lama, de costas para o céu. Tomar um partido é necessário, mesmo que seja para voltar atrás um minuto depois. Não falar o que se pensa é não viver o que se deseja. A neutralidade é uma doença letal: ficar em cima do muro, esperando descobrir qual é o lado mais forte para se inclinar. Como é desagradável dizer "não sei" por preguiça ou comodismo, por medo ou indiferença. Um não saber que significa renúncia, não desconhecimento. Um não saber que é lavar as mãos para não comprometer a imagem. Um não saber que é tentar ficar de bem com os outros e não consigo. Como dizia Mario Quintana, "há males que vêm para o bem, mas há bens que vêm para o mal". Omissão é voto nulo, um empate sem gols. Essa indecisão permanente tem início nas saídas mais banais, como restaurante, onde a expressão "tu escolhes!" acaba sendo o endereço. Toda pergunta é um charme, desde que não seja simulação, desde que não seja fingimento. Por que não declarar o que se quer? É preferível do que cobrar depois por não ter ido ou vivido. Essa história de adivinhar o que o par pretende não significa amor, esconde a intolerância de não se falar no momento para reclamar durante a briga. Cheira a oportunismo. Os que não têm time de futebol, os que não têm opinião, os que não têm vontade de soltar palavrão, os que não se irritam, os que não cometem tolices e gafes, os que não se submetem a definir a cor dos olhos são neutros. Acreditam que sua biografia é uma janela para acenar e não atendem a porta e não escutam a campainha desesperada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário