quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/13/2005 07:04:16 PM

MINHA CAIXA DE FÓSFOROS


Fabrício Carpinejar





Eu desejo do amor a falta de cobrança da amizade e da amizade, a insistência obsessiva do amor. Dependo de um intervalo comigo para me experimentar - só depois terei condições de oferecer. Ninguém é capaz de me dar aquilo que me falta descobrir. Se não suporto a solidão, não suportarei a convivência. Se não suporto a convivência, não suportarei a solidão. Eu terei que fazer por merecer cada uma de minhas dúvidas. Fazer com que cada palavra possa suportar seu destino mais do que sua origem. Cortar estrada não diminui o peso do corpo e sua vontade de se exceder mais adiante. Que não recorra às chantagens, às pequenas implicâncias, para dizer o que penso. Que seja sem entremeios, sem contrapartida. Natural e urgente como a nudez.


O que não descobri em mim pode me destruir antes de ser descoberto. O que deixamos para depois pode vir a trancar a porta. Prontificar-se não quer dizer que se está pronto. Eu me devasto. Eu me contradigo. Eu me inundo do que não presta. A devastação é depuração. Não posso agregar ao meu mundo apenas o que tem valor. O valor é a circunstância, não a necessidade. Compadeço com quem não se atemoriza um pouco, se desespera um pouco, se destrói um pouco por dia. A vida não suporta o comedimento. Se meu filho padece de frio, e não há lenha, queimarei os livros que mais amo. Queimarei as roupas. Queimarei as fotos. Para sobrevivê-lo, queimarei o que julgava indispensável. Unicamente o amor é indispensável, o resto é apoio para se chegar até ele.


Ao encontrar um amigo ou amiga, converso como se fosse a última vez. Pergunto mais do que a conveniência permite. Abraço com convicção. Não é nada mórbido, não penso que vou morrer. É um hábito antigo, como usar preto para emagrecer o rosto. Tenho uma pressa na ausência de pressa. Uma vontade de permanecer mais do que de comunicar. No meu derradeiro encontro com a avó, não adivinhei que morreria. Falou de coisas frugais, de buscar o pão quentinho e tocá-lo antes com o indicador para evitar o vazio da casca. Não me abraçou langorosamente. Não foi trágica, derradeira. Não me assustou com sua morte, não me passou sua morte. Não chorou, não soluçou, não praguejou, não lamentou. Falou de coisas banais como os horários do ônibus, dos temas da escola, de sua costura. Despediu-se com o 'até logo', talvez um 'tchau', talvez 'um bom te ver'. Os segredos não são revelados com suspense, mas com simplicidade durante a convivência e por isso não lembramos. Os segredos são contados na distração. Os segredos são as distrações.


Caminho lento quando estou feliz, mas também caminho lento quando estou triste. Nas duas situações, caminho como se o tempo não fosse comigo. Fluo no tempo, não participo dele. Nem todo tempo é para ser gasto. Nem sempre o tempo tem troco. Nem todo o tempo é para se conquistar, para se perdurar. Alienado para se fazer devagar. Alienado para se refazer devagar. Alienado para abrir espaço por dentro e não ser menor do que a realidade de meu desejo.

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