quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

2/9/2005 07:19:28 PM

MENTIRINHAS

Gravuras de Roy Lichtenstein


Fabrício Carpinejar







A mentira não é monogâmica. Ela troca de parceiro rápido. Ao chegar uma verdade perto dela, já vai se abrindo e apagando sua origem. Talvez esse seja o motivo da mentira durar pouco no casamento e durar muito mais fora dele. A mentira no casamento confunde o nome, escorrega no tempo, perde a força de vontade. Suporta no máximo três perguntas consecutivas. A mentira ri ao falar e se entrega. Não consegue ser séria. Ela se diverte sem querer, involuntariamente cínica. Não tem estabilidade, emprego, casa. A mentira ama ser dita quando abusa dos detalhes. Mas quem abusa dos detalhes exagera. Exagero é sedução. A mentira é inconseqüente como a sedução. Faz promessas impagáveis. A mentira não volta a ser verdade - o estrago está feito. Não há verdade depois da mentira. Há perdão ou desculpa. A mentira estraga o que toca porque esquece como começou. Ela não tem controle para terminar. Bebe dirigindo. A mentira pensa que todos estão a olhando quando todos estão duvidando dela. Nem a mentira acredita em si, mas quer acreditar. A mentira avisa o que seu portador não tem mais do que aquilo que ostenta. A mentira é uma ausência necessária. O que falta na formação da mentira é castigo. Pode ser vista com facilidade no final de festa, festa com nenhum amigo por perto para desmenti-la. A mentira é charmosa no princípio e irritante ao final. Não admite que a chamem de mentirosa - odeia redundâncias. A mentira tem seus primeiros minutos de futuro e depois vai se adaptando ao passado. Joga com a discórdia para ser generosa. A mentira não tem costas como a pedra, pode ser traída pelas costas a qualquer hora. Ela descobriu seu talento no ato de contrição: "prometo ser bom e não pecar mais". A mentira continua mesmo depois dela. Tem inveja da fofoca. É individualista, não suporta trabalhar em equipe. Não existe mentirinha boba, é conversa de adulto mesmo na infância. A mentira é tão covarde que se encoraja de medo. Toma banho a cada dois dias e se suja como a piada. A mentira não apresenta seus familiares. Sofre de alergia em ambientes fechados como elevador. Lê os livros pelas lombadas. Desfaz mal-entendidos para ganhar credibilidade. Confunde para esconder sua fragilidade. A mentira não se dá com o casamento, pois não aceita concorrência.

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