quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

2/7/2005 10:12:05 PM

CILADAS

Gravura de Giacometti


Fabrício Carpinejar





Quando tua namorada ou namorado diz que podes confiar e contar, que nada mudará na relação, é mentira. A sinceridade te inspira a abrir os segredos para te jogar em seguida na parede. O amor é um jogo de convencimento e persuasão que termina invariavelmente em desconfiança. A pergunta que é feita por ela ou por ele de modo inocente não é uma pergunta, quem dera, pouco guarda da modéstia de uma pergunta, que aceitaria a contrapartida sem ofensa. A pergunta é uma suspeita. Não se deseja uma resposta, e sim "a resposta". A resposta deve somente confirmar uma evidência. A resposta é a evidência que estava sendo cavada.


Sigilo não existe. Quem guarda segredo apenas fingiu que não falou. A diferença é que alguns fingem bem. A pessoa pede a franqueza e afirma que tudo aceitará, que tudo permitirá, para julgar e atacar quando descobrir tudo. O charme inicial e a caridade do gesto são ciladas. Entra-se em uma investigação, não em uma discussão e diálogo. No fundo, há a intenção de conspirar contra aquele amor, de atestar que ele ou ela não presta, de que foi um erro. É incompreensível verificar que o ceticismo surge nos melhores momentos, como a avisar que não pode ser verdade, que a felicidade errou o endereço. Em cada um pisca o dispositivo antifelicidade, detonado para expulsar a intimidade e possíveis alegrias.


Se alguém se torna imprescindível, a estima arruma um jeito e um pretexto para mandá-lo logo embora. Algo que ocorreu no passado mais longínquo vai afetar como se tivesse acontecido há poucos minutos. Se a mulher fala que já trepou com três homens ao mesmo tempo, o cara concluirá que ela é promíscua e terá medo de ser apresentado aos antigos parceiros em alguma festa. Amar é uma paranóia interminável, porque não se tem aquilo que se é e não se pode ser aquilo que se tem. Difícil encontrar no amor o meio-termo, que não resulte em posse, muito menos em indiferença, que não desemboque em obsessão ou em tolerância. Desde quando não se pode ter passado e experiência? Não dá para compreender que casais acreditem que o par tem que ser um objeto lacrado, um carro zero, inviolável. Se ela transa bem é que aprendeu com antigos namorados, é óbvio. E daí? Que bom. Ambos definirão o seu dialeto a partir de idiomas anteriores. Chega de autoritarismo, de transformar a casa em um campo de desmemoriados.


Não se fica generoso com amor, fica-se egoísta. Só se pensa a princípio no nome de quem ama para depois só pensar no próprio nome. O começo é um desapego irrestrito, o final é uma proteção absoluta. No início, há a renúncia em favor do bem-estar da nova paixão. No decorrer da convivência, passa-se a criar mecanismos de defesa para se afastar.


Os opostos se atraem, mas não conseguem permanecer juntos (os parecidos se repelem e ficam juntos). O que parecia maravilhoso e definitivo, a sedução da diferença, a atração de um continente desconhecido é substituído pela tentativa de moldar o outro aos seus gostos. O respeito desanca em dominação. Não importa que ele saía com os amigos, que jogue futebol, que tenha grandes amigas desde que ele deixe, pouco a pouco, de sair com os amigos, jogar futebol e perder de vista as grandes amigas.


Ainda com complicações, é possível ser casado com a memória. De maneira nenhuma com a imaginação. A imaginação é sempre solteira. Se o marido não liga, demora para chegar, é evidente que a imaginação o viu com duas ou três mulheres em meia hora. A imaginação não aceita a confiança, procura o pior para depois gritar que já sabia. "Eu sabia" é a frase mais irritante de todo relacionamento. Mostra arrogância e, o mais grave, sinaliza a certeza do fracasso.

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