quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

2/24/2006 08:49:28 AM

MATERIAL ESCOLAR

Para a amiga Goiandira

Pintura de Van Gogh


Fabrício Carpinejar





Demoro muito para adquirir os cadernos de meus filhos. A lista é imensa, o dinheiro curto. Entro em uma papelaria e me confundo no momento de completar os pedidos e recolher as peças. Diante da relação, a lista do meu tempo lembrava um telegrama. Se o aluno já fosse para escola, estava de bom tamanho.



Minha mãe comprava igual medida para cada um de seus quatro filhos, a evitar ciumeira e cobrança. Meu lápis preferido era o Faber Castell, verde. Percebia seu nome como meu. Apresentava-me na infância como Faber de propósito. Tomava cuidado para não deixá-lo um toco na primeira semana, alucinado de alegria na hora de apontar o grafite. Apontava até chegar ao F. e economizava seu uso nas lições seguintes.



Recebíamos cadernos simples, rústicos e folhas de almaço para a caligrafia. Nenhuma gravura e fotografia na capa. Despojados como a superfície de um ovo. A diferença vinha do carinho materno. Ela chegava em casa com rolos de plástico e papel-presente. Depois de separar os grãos dos feijões na bacia para o almoço do dia seguinte (suas unhas pintadas e levemente descascadas como parte dos grãos), reunia os filhotes para vestir os exemplares. Botava roupa de festa, encapava com um capricho de bordado. Minha mãe concebia fantasias. Assim como pessoas simples, pobres e com o dinheiro contadinho encontram um jeito de preparar adereços exuberantes no Carnaval.



Os cadernos ficavam diferentes do resto da turma na escola, livres do abrigo e do uniforme. Livres da regra e da paisagem cinza e escura das classes.



A mãe ainda montava blocos com as folhas de ofício descartadas pelo pai. Grampeava seus rascunhos, aproveitando o outro lado da página. Nas aulas, dispersava a atenção do quadro negro para ler seus poemas. No avesso das folhas, os escritos que ele colocava fora ou que tinha modificado. Algumas letras estavam riscadas e buscava preencher as ausências. Girava os olhos pelas lâmpadas e armação das janelas. As palavras estranhas e mágicas a um guri aprendendo a escrever.



Não captava o sentido das imagens e metáforas, mas sentia cócegas na boca para repeti-las em voz alta. Fui leitor de meu pai sem querer. O verso da página era realmente um verso (tanto que pensava que a origem da expressão vinha dos meus bloquinhos).



Os poemas competiam com o cheiro gostoso dos livros, cheiro de álcool do mimeógrafo, cheiro de pão e leite na merendeira, cheiro de giz nos sapatos, cheiro de estréia.



Nunca escondi o que não tenho, deixo para completar o que falta com o que sou.

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