quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

2/21/2006 09:08:33 AM

UNHAS PRETAS

Pintura de Wayne Thiebaud


Fabrício Carpinejar





Convido os homens a fazer as unhas. Retire as cutículas, ponha a base, escolha um esmalte. É uma outra dimensão de comportamento que se abre. Não estou exagerando. Ensina sobre o fim dos relacionamentos, a porção indefesa de cada um.


É perceber os dedos finalmente nus, redondos, inseguros. Descobrir que o casaco das mãos estava do lado errado a vida inteira. Arregaçar finalmente as luvas. Redefinir o tato.


Um lazer esticar os braços como os pés no sofá. Lixa, água quente, tesourinha. Uma alternância prazerosa que vai soltando as defesas. O diabo é depois, quando as unhas estão pintadas. Se não pagou na entrada, será impossível retirar a carteira do bolso e assinar o cheque ou encontrar o cartão. Qualquer atrito e já estragou a pintura e botou o dinheiro e o tempo fora.


Considerava exagero ao escutar a mulher alegando que não podia lavar a louça ou pegar as chaves dentro da bolsa. Conclui que ela atenuava a tragédia e escondia o pior. Conhece-se um estado de insegurança e nervosismo. Como dirigir com a tinta úmida, prender o cinto, fechar a porta, direcionar as marchas, sem encostar? O que fazer se o esmalte demora uma hora para secar? Encontra-se dependente de ajuda, exposto, vulnerável, a esmolar compreensão e empatia. A vontade é deixar as mãos no varal com dois prendedores.


Quando o casal está nas últimas é como se tivesse feito as unhas. Nem briga mais, porque não acredita sequer nas brigas. Marido e mulher perdem a esperança do conflito para atrair o interesse. Desprotegidos e ansiosos, jogam no erro um do outro. Uma fragilidade no aguardo do risco, do borrão, de um esbarrão inevitável. Um descuido e se explode. Um desleixo e a raiva vem pelas narinas antes da boca. Um lapso e o desenho luminoso se esvai. Pintar as unhas é conhecer o quanto se é indefeso. Covardia de tocar, apreensão de estragar o que foi feito. O bife logo sangra e repuxa a pele. Não adianta soprar para apressar a secagem. Bolhas surgirão na textura. Trégua da paciência, de engolir a seco as hesitações e seguir segurando o mundo sem as pontas das digitais.


Aprontar as unhas é um teste de solidão. Bem que pode vir a ser um exercício dócil de convívio e companheirismo. Com alguém ajudando e entendendo ao lado, fica apenas a impressão de conforto, sem farpas ou pontas a irritar os movimentos. A superfície lisa deslizando mais rápido. Deslizando.

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