quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

1/6/2006 01:27:26 PM




Confira mais uma resposta do Consultório Poético no site da Superinteressante. Reproduzo o texto abaixo.


SOLIDÃO DE MÃE


Fabrício Carpinejar





"Desde que me tornei mãe, sinto-me sozinha, pois mudei de cidade, e não tenho amigos. Meu marido trabalha muito, minha filha ainda é pequena, vivo do trabalho para casa e da casa para o trabalho. Não tenho familiares morando perto, amigos tenho dificuldade para fazê-los. Sou "diferente". Não vejo jornal, nem gosto de fofoca no cabeleireiro. Como fazer para me sentir melhor? Ter amigos? Deixar de ser tão só?"


Camila, vou contar um segredo. Um dia fiquei com meu filho bem pequeno e minha mulher saiu para trabalhar. Claro que disse: pode deixar comigo. Ela me deixou tantas instruções, me ofereceu tantos conselhos, que não ouvi, confundi os apelos com insegurança. O excesso de confiança é surdez. Jurava que não teria trabalho. Daí o menino acordou e começou minha loucura. Não sabia que roupa colocar nele, pouca ou muita, se estava quente ou frio. Trocar faldas era de menos, difícil acertar a temperatura do leite, segurá-lo no colo enquanto tocava o telefone, a campainha, o celular. Acalmá-lo na hora de seus gritos, é evidente que ele sentia minha impaciência. Foram três horas de estranhamento e nunca havia percebido o que minha mulher passava silenciosamente, sem reclamar. Existe a depressão pós-parto, mas também seus derivados como depressão pós-filho e pós-marido, em igualdade de drama e trauma.


A maternidade é uma solidão sem tamanho. Depois da festa do batizado, os conhecidos desaparecem. Podem até elogiar o bebê e fazer voz infantil em encontros esporádicos. Firma-se uma segregação silenciosa e terrível. É imposição de que a mãe sabe tudo naturalmente e pode suportar a desvalia. Enxergam o filho como um troféu, porém não reparam que o campeonato está no início. Talvez não seja por mal, muitas das pessoas próximas se distanciam com receio de incomodar.


Nenhum homem entenderá, mesmo que seja participativo. O humor muda, o corpo perde sua rigidez e fica tão cansado que nem encontra estímulo para o sexo. Parece que não haverá saída. Mesmo com babá, uma escapadela de quinze minutos e já se está telefonando apavorada para casa, pedindo relatos detalhados dos últimos instantes. Instala-se a culpa, culpa social de aproveitar a vida, pavor social de que possa vir a ser acusada de negligente. Claro que são fantasmas. Fantasmas da vulnerabilidade.


Ainda bem que tem um trabalho para pensar em outra coisa e se sentir útil. Imagina o que sofreram nossas avós? Adianto, é uma fase provisória. Não é desperdício de tempo, ainda que raros a valorizem. O filho crescerá e descobrirá isso com seus próprios olhos.


O que posso aconselhar: não desanime e procure se distrair. Estabeleça horários para sua diversão, mesmo que seja um cinema sozinha ou um passeio no parque. A questão é preservar o raciocínio, a confiança e o bom humor. Diante das dificuldades, pode verbalizar e destilar veneno. Falar o que a incomoda de cara ao marido ou aos familiares, sem deixar que a preocupação se transforme em raiva reprimida ou recalque. A risada e a espontaneidade desestressam. Todos somos diferentes, cada um a sua maneira. Uns mais do que os outros, outros com medo do desvio. Não é o jornal ou a fofoca no cabeleireiro que a deixarão feliz - se bem que eu não conseguiria viver sem os dois (risos). O primeiro passo é fortalecer a estima, comprar - por exemplo - flores que sejam para despertar a mudança. Ou escrever um diário para sujar bastante o papel e exorcizar a carência. Não aguardar milagres, guardar as gentilezas. Não se deixar levar pela rotina, como se não houvesse a possibilidade de algo novo em seu dia. Não vale se confinar no quarto e se desculpar por antecipação que ninguém a entende.


Quantas vidas enfrentam uma situação semelhante? Os amigos surgirão da vontade de convivência, da empatia, da identificação, do seu bem-estar. Os amigos são seduzidos como os amores.


A exclusividade apaga a personalidade. Viver para o filho não é bom: deve-se aprender a viver com ele.


Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento.

E-mail: carpinejar@terra.com.br

Site: http://www.carpinejar.com.br


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