quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

1/31/2006 11:34:52 PM

O GUARDA-SOL

Imagem de Antoni Tàpies


Fabrício Carpinejar





Na praia, o mesmo ritual de masculinidade. Os homens chegam com os apetrechos e, antes de conferir a movimentação da orla, desembrulham o guarda-sol como um jogador toma para si a responsabilidade de cobrar um pênalti. As mulheres não se mexem, não se dispõem à tarefa. Deitam bem para trás na cadeira e recebem o colírio do vento fresco e marinho.


Trata-se de um consenso entre os casais, uma deliberação de condomínio. Mais uma tarefa masculina obrigatória ao lado da tríplice aliança (abrir vidros de conservas, trocar lâmpadas e levar o lixo). Os homens se entreolham, para disputar a rapidez da montagem. Cavam um buraco com o lado inverso do pau. Cospem areia com estocadas ritmadas e secas. Preferem fazer com um braço somente a mostrar virilidade. Estão se exibindo, é visível o desfile. Lembram escoteiros em sua primeira expedição. Não franzem o cenho, com uma languidez a provar que é fácil demais para suas propriedades musculares.


A operação dura cinco minutos até expandir definitivamente a lona. O guarda-sol é como uma ereção praiana. Um topless masculino. Ao abrir, o homem tem a sensação de vestir uma camisinha gigantesca. O contentamento é uma exigência ancestral de não negar fogo. Uma prova bíblica (e ridícula) de que é um varão. Alguns, ainda por cima, pegam emprestado o balde de criança para molhar o contorno do montinho e firmar a terra.


Nada pode falhar sob o receio do vexame público. As mulheres reparam o andamento de outros maridos e namorados que não o seu, a conferir a produtividade alheia.


E se o guarda-sol resolve sair voando? Não quero ficar na pele do homem correndo feito louco a caçar sua auto-estima, ainda pedindo licença pelo incômodo. Não existe seguro ao utensílio e ele pode atropelar seriamente crianças e idosos. E se o guarda-sol arrebentar suas varetas? Resta fechar, lamentar a impotência, dizer que isso nunca aconteceu antes e entrar na reserva. E se o guarda-sol pender tal bandeira de golfe atingida em cheio? O negócio é recomeçar com a culpa de um castigo e se oferecer para lavar os pratos em compensação.


É incompreensível como validamos comportamentos sexuais a partir de cenas menores e insignificantes, enrustidas na roupagem de educação, cavalheirismo e cortesia.


Em casa, decidimos trocar os papéis. Minha mulher é meu guarda-sol, eu sou seu guarda-chuva.

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