quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

1/30/2006 02:53:22 PM

O ABACATE

Pintura de Antoni Tàpies


Fabrício Carpinejar





Na fruteira, vou pesar o abacate e contesto os 800 gramas. Quero pagar mais! Digo ao atendente com seu uniforme marrom de mercado que não é justo 1/3 dos meus trinta e três anos receber uma etiqueta com esse mísero peso. Ele não entende, faz sinal ao longe e chama o gerente. Enquanto os funcionários descrevem minha loucura, aliso a textura do abacate, sua cortina inefável de verde, seu bronzeado de terreno baldio.


Todo e qualquer abacate pesa a minha infância. Cresci à sombra de um abacateiro. O abacate foi minha primeira bola. O primeiro caroço de câncer benigno que descobri em meu corpo. A primeira nudez que dissequei em meu laboratório de formigas. O primeiro carrinho conversível de quatro portas. A primeira luva de lã que usei no inverno. A primeira pedra que se converteu ao cristianismo.


O pátio cheirava a abacates, bolas de fogo queimando os canteiros. Levava uma hora para reunir os primos distantes de sua família e promover a reconciliação depois da queda.


Por mais que tentasse ensinar, o abacateiro não conseguia jogar ioiô. Segurava com pouca força os ramos e perdia seus brinquedos na chuva.



Eu me assustava com sua pele afobada, que logo apodrecia, e não dava chance de chutar muitas vezes. A fruta enegrece quando madura. As impressões digitais ficavam em sua estrutura de limo e vento. Afundava meus dedos na superfície. Uma vez descobri um pássaro vivo em sua casca. Acreditei que o caroço tomou asas emprestadas e partiu, com o bucho cheio, sem aprontar as malas. Tomei pudor ao abrir os outros. Contava até vinte antes de descascar. O abacate vinha a ser o armário em que as aves brincavam de esconde-esconde.


Tarde sim, tarde não, comia creme de abacate, preparado pela mãe com excessivo açúcar para enganar a vitamina. Depois corria pelos corredores e girava até encontrar a tontura. Atirava-me no chão para observar as goteiras da copa e a plumagem aluarada. Quando amassadas, as folhas marrons, secas, produziam barulho de ladrão.


O abacate servia para a bondade e para a maldade. Na infância, pelo menos, a maldade era divertida. Jogava abacate dos muros. Eles explodiam a goma levemente branca e provocavam quedas cômicas dos vizinhos.


Nunca alcancei os galhos do abacateiro, o maior edifício que conhecia naquele tempo. O abacateiro subia nos telhados sem escada. Via apenas seus joelhos de quem cansou de viajar.


Eu chorei quando cheguei da escola e os pedreiros o haviam cortado. O pai decidiu ampliar a residência. Não quis ver o caixão do morto. Perguntei onde se enterram as árvores, já que elas nasciam enterradas. Não me responderam.


Eu passei a dormir no exato lugar em que estava o abacateiro. Meu novo quarto assassinou minha árvore. Suas janelas farfalham folhas e silvos. Minha voz infantil é arremessada de volta nas frestas.


Por favor, por isso peço que registrem meus 72 quilos no peso do abacate.

Nenhum comentário:

Postar um comentário