quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

12/9/2004 11:08:52 AM

NA JANELA DO QUARTO ANDAR

Gravura de Miró


Fabrício Carpinejar


Vou para trás, a fila sempre começa bem antes do meu nascimento. Da porta do trem, vejo o Vicente me esperando no janelão do apartamento. Está à frente das cortinas, a silhueta miúda aguardando o pai, um sentinela e seu apito a cuidar dos rumores da vizinhança. Quatro andares e apenas ele adiantado, desperto, decidido. Ninguém o demove dali, é seu próprio relógio. Só ele e mais seu rosto, ele e o prato do seu rosto. Não me vê mas acena. Acena para qualquer possibilidade de pai que está saindo do trem. Eu levanto o braço e aceno para qualquer possibilidade de filho no edifício. Todos as vezes é a mesma vez. Em nenhum outro momento consumo tanta esperança, tanta convicção, tanta religião, tanta fé. Chego em casa pela chance de observar sua paciência se aproximando devagar. Como um avião aterrissando, as formigas das pupilas crescem. Desço a escada rolante, sem despregar os olhos do varal de seus quinze quilos. Duas quadras e abrirei a porta, porém já abri a porta desde que pulei do vagão. Sua generosidade formando as primeiras frases. É comigo, é comigo, ele me devolve a textura da parede, a alegria de não terminar em meu corpo, a alegria de não terminar o melhor do dia no trabalho. Só queremos na vida uma janela acesa se importando com os horários. As raízes de uma cadeira. Os chinelos como um ventilador desligado. Uma roupa no armário para mudar as escolhas de cor. A confiança de Vicente é o que preciso para nunca deixar de voltar para dentro de mim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário