quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

12/5/2004 12:24:02 PM

ANDANDO LENTAMENTE DEPRESSA

Gravura de Vermeer


Fabrício Carpinejar





Para alguns agora é manhã, para outros agora é crepúsculo. Não há como retomar a vida no ponto em que se parou. A vida também se mexe sozinha. Mania de pensar que aquilo que se deixou de se fazer estará esperando intocado, sem mudança alguma. Que um amor antigo não teve outros amores. Que uma amizade fiel não teve vontade de se matar. Que a fruteira da esquina de sexta-feira oferece o mesmo mamão maduro de segunda. Que uma obra lida aos treze anos guardará igual espanto aos cinqüenta. Pensar que se conhece alguém é desconhecê-lo por inteiro. O que conheço duvido para conhecer sem a minha aparência. Não posso me acostumar com o que fiz como se fosse meu. O que fiz não é meu, não me devolverá o tempo. Ter um filho é aprender a deixá-lo ir, a me deixar ir. Quando pequeno, os pais diziam-me: ande depressa!. Passei a caminhar correndo, ofegante de escuro. Hoje escuto deles: ande mais devagar! Voz de velocista não se torna de repente voz de fundista. Qual é a morte mais rápida; a que vai dentro de mim ou a que está fora de mim? Acostumei-me a respeitar o espaço de minha liberdade. Não me dou bem com excesso de liberdade, fico extraviado. Dormi na infância no alto do beliche, sempre sabendo que sobrevoava o sono do irmão. O beliche foi uma canoa, onde colocava os pertences debaixo do travesseiro. Quando o rio é maior do que minha canoa não tem sentido. Até a minha sede é do tamanho de uma canoa. Minha casa não é a disposição dos móveis, mas suas infiltrações invisíveis e correntes de ar. O jeito que o vento entra em casa determina o temperamento dos seus moradores. O jeito como o sol bate no edifício pode me deixar mal-humorado ou bem-humorado. O desejo tem suas doenças, a saudade é a menor delas. A verdade que está nos livros só será verdade se permanecer fora dos livros.

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