O COTIDIANO POR BAIXO
Gravura de Vermeer
Fabrício Carpinejar
Antes me julgava preciso. Conhecia poemas de cor, usava números quebrados, ditava preços exatos, descrevia cenas com um detalhismo impressionante de mapa geológico. Esse comportamento foi tremendamente alterado. Desinteressei-me da arrogância das casas depois da vírgula. Recordo ultimamente de um verso ou de outro e preencho as lacunas com o que surge no momento, esqueço do que iria falar quando escuto, relato cenas com ações básicas. Não significa que fui envelhecendo, mas que o cotidiano me moldou para urgências. O casamento, o trabalho, a literatura, as crianças, os dias apertados me inspiraram a arredondar os valores. Não me interessa a objetividade, e sim a impressão, o impacto das vivências, a generosidade do erro. Ao consultar o peso na balança não digo 69,2, arredondo para 70, assim como há quem arredonde para baixo. Se o filho está com febre, não falo 38,8, arredondo 39. Ao comprar algo, arredondo o cheque. Minha vida perdeu os centavos, o troco. Tudo é alta distração.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
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