quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

12/1/2005 11:03:33 AM

TERAPIA LÍRICA





Relação aberta, pensamentos transparentes e franqueza absoluta são os temas da nova edição do Consultório Poético da Superinteressante. Confira abaixo e no site se vale a pena contar tudo.


VALE A PENA CONTAR TUDO?

Consultório Poético (para complicar o que já estava complicado)

Pintura de Philip Guston


Fabrício Carpinejar





"Estou vivendo há quase um ano um relacionamento que me deixa muito feliz. Éramos melhores amigos antes de nos apaixonarmos e, em função disso, já começamos a história com sinceridade 100%. Nunca tive uma relação onde a sinceridade imperasse dessa maneira. Me apaixonei sabendo quem a pessoa era, sabendo de todos os seus podres, ex-namoradas, taras, fetiches, e sabendo tudo sobre seu passado sexual. E vice- versa.


Vivi muitos relacionamentos onde as coisas ficavam subentendidas, sempre fui tratada como a "princesinha" ingênua. Levei alguns tombos, cresci e amadureci.


Quando comecei essa relação, decidi que pela primeira vez na vida seria sincera o tempo todo e exigiria o mesmo grau de sinceridade. Até aí, tudo bem. Só que de uns tempos para cá isso vem me fazendo um certo mal. Tenho a terrível mania de iniciar conversas profundas demais e entrar em assuntos polêmicos porque detesto a superficialidade.


Temo que essa super-sinceridade esteja se tornando tóxica para a minha pessoa. Lógico que não pretendo ser tão burra a ponto de querer ouvir respostas do tipo "você é a mulher mais linda, mais gostosa do mundo", "nenhuma outra me atrai", "não olho para mais ninguém"... Mas, ao mesmo tempo, sinto que preciso de ajuda para aprender a lidar com tamanha quantidade de informação sincera. Preciso aprender a lidar com as verdades que me são ditas quando faço alguma pergunta. Não, não quero ser tratada como debilóide e ingênua que acredita nos homens. Sim, preciso de ajuda para aprender a lidar com uma pessoa que me responde sempre o que ela sente, em vez de me responder o que eu supostamente gostaria de ouvir."



Letícia, sua percepção da situação é aguda e precisa. O mal-estar não é um acaso, mas resultado de uma escolha impiedosa e insuportável. Vocês oferecem o melhor de cada um para piorar a realidade. Antes calar o pior para melhorar a realidade.


Passamos a vida procurando a sinceridade e a confundimos com agressão. Há coisas que eu penso que não podem ser ditas, senão vou atacar quem eu amo. Amor é educação, trato, respeito, cuidado, não é falar de qualquer jeito e a toda hora o que sobe à cabeça. Uma relação aberta fecha o futuro - há mais passado do que presente. Segredos são sadios e não deve contar os mínimos pensamentos para provar a franqueza. Qual é a graça da nudez se ela é totalmente exposta logo no início? Velar e desvelar são regras da pintura e da sensualidade. Pornografia é não permitir espaço para sugestão. Não permitir brechas. Não vale a pena contar tudo, vale a pena ser tudo, inclusive a imaginação.


A questão é: quer um namorado ou um terapeuta? Vocês não conseguem mais se divertir porque criaram uma profundidade infernal. O diálogo mais banal vai esbarrar em polêmicas sexistas ou em desaforos ou em cobranças. Perderam a espontaneidade da brincadeira, são obrigados a declarar o que acreditam ao invés de desfrutar a vida juntos. Experimentam um ininterrupto interrogatório policial. Um controla o outro, apesar de aparentar uma relação sem controle. Se o cara falar que achou uma menina gostosa, logo não terá confiança quando ele conversar com ela sozinho. Certo?


Na ausência de fé, não existe segurança para seguir. Não se é um dique para barrar a enchente da boca. Qualquer situação é motivo de análise e investigação. A sinceridade absoluta fere, tensiona, atormenta. A suspeita torna-se crime.


Um estado com total sinceridade vira paranóia. Ninguém está livre do ciúme ou da posse. Não adianta fingir liberdade e independência se o amor pede cada vez mais a aproximação e o apego.


Tem que equacionar o que se sente com o que ele gostaria de ouvir. Nem a mentira, nem a verdade, mas a justiça. A justiça é harmonia, a justiça é zelo. A justiça é preparar a comida e a conversa 'de olho' e dispensar a receita.


Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento para carpinejar@terra.com.br

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