quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/30/2005 08:47:56 AM

SACO DE PRESENTES

Pintura de Philip Guston


Fabrício Carpinejar





Em festa de criança, eu fico incomodado com o saco de presentes. Uma cesta escandalosa na entrada em que os convidados despejam os pacotes. A ação é essa: despejo. Eles até procuram o anfitrião, mas são dissuadidos e orientados a deixar os embrulhos ali, como se fosse qualquer coisa. Como se fosse embalagem usada de docinho. É um contêiner de entulho versão luxo. Cria-se uma situação de pedágio, paga-se para transitar. E a cancela é automática, sem nenhum rosto para confortar.


Na minha infância, o aniversariante recebia o convidado na porta, rasgava o papel com avidez e cumprimentava efusivamente. No mínimo, agradecia com um abraço. Dependendo do entusiasmo, com um aperto, beijos e um puxão. Identificava quem havia dado a lembrança e alfabetizava o afeto. Saía a contar a novidade aos familiares, com os dentes ainda banhados de saliva.


O saco de presentes é hoje um pequeno tirano. Convenhamos, é um sinal de desprezo. Escolhe-se o brinquedo com minúcia durante horas em um shopping, procura-se o que de melhor pode agradar e não se dá a mínima para o mimo. Os brinquedos serão abertos em escala industrial depois da festa. O afortunado, na ânsia de descobrir o que vai por dentro, não verá nem o nome de quem ofereceu na etiqueta. Não valorizará cada objeto, pois ficará desconcertado com o excesso de opções. Brincará um pouco com o primeiro, um pouco com o segundo e esquecerá os demais. O saco de presentes é ensinar a criança a quantidade, não a qualidade da amizade, é ensinar o distanciamento, não a companhia e a convivência, é ensinar a bajulação, nunca o respeito. Transmite ostentação, arrogância e individualismo. Afinal, todas as crianças da festa querem desvendar o que o aniversariante ganhou. Por que não repartir a memória?


Na semana seguinte, a mãe e o pai organizadores da comemoração não saberão agradecer o presente. Desconhecem o verdadeiro remetente. O jeito é fazer de conta que a festa foi no ano passado e mudar de assunto.


É a cultura do refugo, disfarçada no anonimato. É de se pensar que o saco de presentes está espalhado no cotidiano de diferentes formas. Quantas vezes não o usamos em nossa casa sem querer? No quarto ou na sala de estar, no momento em que deixamos de ouvir para falar, que deixamos de se surpreender para não perder tempo. Que deixamos de gritar, de se expandir com emoção, de exagerar com receio de ser espontâneo. Que deixamos de abrir a vida na frente do outro por comodismo ou indiferença. Quantas cestas invisíveis não existem entre os casais, para empilhar palavras que permanecerão para todo sempre desconhecidas?

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