quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

1/18/2005 10:09:44 AM

SOU O PRIMEIRO A ME CRITICAR

Gravura de George Grosz


Fabrício Carpinejar






"Sabes qual é a última?", essa é a pergunta que escuto no começo de uma conversa. A última notícia. A última fofoca. O último boato. Não se fala da primeira, da segunda ou terceira. Estar bem informado é saber apenas da última, não a de ontem, anteontem, depois depois de ontem. Perdeu-se interesse pelas atitudes ínfimas que não serão notícia, que não versam sobre morte, picuinha ou terror. Raramente vou em um lugar onde não se está falando mal de outro. No trem, no restaurante, na parada de ônibus, no corredor do trabalho. Até na igreja, Deus recebe encomendas de vingança. É infalível comentar um pouco o calor, as condições do tempo, para chegar logo ao inferno das relações. Caso os edifícios aqui tivessem mais de cinqüenta andares, a conversa no elevador teria o mesmo fim. Espicaçar, destruir, zombar, troçar. O que prende a concentração é a maldade, o detalhe mórbido, a indiscrição, ao invés da boa vontade, da cultura e da empatia das virtudes. Não estou falando de julgar, condena-se de saída. Aquele não presta, aquela é venenosa, aquele faz aquilo comigo, aquela busca me destruir. A discordância é transformada em intolerância. Basta fazer um teste: entra em uma conversa de repente e todos que falavam sem parar vão ficar mudos. O silêncio súbito é sinal de luto, algum sujeito que conheces estava sendo enterrado. Pode ser inclusive tu ou eu. É triste perceber que não se consegue manter mais de dez minutos de generosidade, de amizade pura, de afeto. Para ter graça, nada melhor do que a desgraça alheia. Nada mais forte do que a solidariedade da inveja. Acredito que não somos promovidos, só rebaixamos quem subia, o que dá a falsa impressão de nossa altura. Em um papo com os desconhecidos, o time ou os políticos serão as vítimas. Em um papo caseiro, será a mãe, o pai, o irmão e a esposa. Em um papo de trabalho, sobra para qualquer colega que não é submisso. Não se respeita a voz. A fraqueza responsável da voz. A maioria se enxerga no paraíso, mas como é difícil exercê-lo antecipado. Parece que se tornou necessário quebrar a laje com violência para abrir o veio subterrâneo. Falta a paciência da água, a insistência da água - somente a água cava a pedra sem quebrá-la. A curiosidade deveria amadurecer em intimidade, não em desconfiança. A última notícia não me diz respeito. Quero a primeira, lenta como cama desarrumada no domingo, antiga como verdade esquecida. Quero conversar afirmando as minhas idéias, não negando as dos demais. Praticar atos inúteis desenvolve o humor, a autocrítica, a imperfeição. Quem se julga acabado não vê suas costas. Se todos falam mal, sê a exceção. A realidade não pode mandar em casa.

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