quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

1/13/2005 11:40:29 AM

DEIXA A CRIANÇA SER TÍMIDA

Para Gabrieli

Gravura de Miró


Fabrício Carpinejar





Excesso de mimo estraga tanto quanto a falta dele. A criança não pode perder a possibilidade de escolha. Tem direito ao pudor, à cautela, ao mistério, à insegurança A timidez ajuda a conhecer e preservar a solidão. Vejo pais que sobrecarregam os filhos de expectativa. Transformam de repente seus pequenos em atrações turísticas da casa. Se aparece uma visita, a mãe logo convoca a criança a cantar. Se estão jantando com amigos, o pai chama o filho para contar histórias. Desde quando criança é entretenimento? Criança também precisa ficar sozinha e isso não é defeito. Não se consegue ler com barulho ao redor, assim como não se consegue escutar o barulho de viver se a família fala ao mesmo tempo. Ordens, contra-ordens, há a mania de mandar e ser mandado, ainda mais disfarçado no afeto e na proteção. É evidente que as intenções são nobres, de querer mostrar os filhos, de valorizá-los, de demonstrar o orgulho do amor. O que surge como diversão para uns, aparece como castigo para outros. A vida não é plana, cada um tem seu ritmo e rosto. A vida não é encomendada, o testamento vai sendo atualizado a todo instante. A criança lançada a agradar os adultos torna-se dependente da reação externa, deixando de tomar os seus próprios caminhos. A medição do dom pelo ibope anula a autocrítica. A audiência é um seqüestro sem volta.


Para alcançar a aceitação, o filho passa a ser o que os familiares querem e a infância que é o seu lugar imaginário, onde exerce seu direito de ser ninguém, de adivinhar personagens, de fazer de conta, termina se profissionalizando no elogio. E o elogio que é costume vira obrigação. Da mesma forma, é inútil forçar a criança a pedir desculpa se ela permanece com razão dentro dela. Cabe conversar e mostrar as possibilidades. Não sou contra a partilha de talentos, e sim contra a imposição da exibição deles. Basta a criança riscalhar uma folha com têmpera e os pais estão comparando as garatujas com Picasso ou Miró. Não é muita pretensão? Só falta vender os quadros ou montar uma vernissage com cachorro-quente e coca-cola. Tocar bem um piano não transformará ninguém em Mozart, até porque Mozart já existiu e outros virão com seus nomes e singularidades. Há um desejo insano de que o filho seja um gênio, um superdotado para exibição em pré-estréia. Mas raros são os que aceitam ser pai ou mãe dos problemas dos filhos. Deve-se tomar cuidado para não projetar desilusões e converter a confiança em cegueira. O maior talento da criança é ser criança. Não será a música, a matemática, o balé, a natação, o futebol. Ela pretende apenas brincar e ficar na sua. Forçar a responsabilidade precoce é um passo para a ausência de diálogo no futuro. É equivocado entusiasmar a criança a imitar o adulto, numa espécie de infância cover, e achar engraçada sua mímica e inspirar que cresça o mais rápido possível. Ser adulto não é uma solução. A criança que vira o centro das atenções tem dificuldades para chamar atenção ao que realmente interessa para ela. Perguntar não ofende, responder sem perguntar ofende.

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