quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/25/2004 10:18:53 AM

LINHAGENS E LINHO DE MESA

Desenho de Mariana


Fabrício Carpinejar





Meus tornozelos estão grossos de tanto que os antepassados subiram escadas. Um cantil de viajante. Meus antepassados tinham uma tara pelos assoalhos, alçapões, porões e água-furtada. Buscavam a casa dentro da casa. Fiavam esconderijos, segredos, portas e pianos trancados. Sou de outra linhagem: do pátio, do quintal e da varanda. Procuro a casa fora da casa. Confio no vapor da roupa passada pelo orvalho, no ar enlouquecido de luz, nos portões entreabertos, com barulho de ferrugem e de anéis roçando as trincas. A varanda é residência mas não deixa de ser rua. Uma embaixada, um país em outro país. Prefiro estar lá com um pé aqui. Ou aqui com um pé lá. Não é indecisão, mas timidez, que me faz participar de duas conversas ao mesmo tempo para não falar nada. Viciei-me em paredes esmaecidas, adubo de passarinho, ciscos e gravetos. Chão limpo de sujo. Bate-me um dó de quem varre as folhas, sem deixar o chão fermentar suas uvas e utensílios do caule. A calçada não pode receber nenhum tapete de presente, que logo desaparece. Gosto de esperar, envelhecer fora de hora até ser chamado para dentro. A voz é o melhor sino de igreja. O quintal me arremessa para o começo do ventre, um poço enorme, onde as janelas são as roldana e o balde. Nada substitui a intimidade de entrar pela cozinha, com as panelas fumegando e mesa se expandindo pelo cheiro. Não sou minha visita para entrar pela porta da frente, amadureci pela porta dos fundos, nas entranhas do pátio, para desembocar o ouvido nas estrelas e cigarras. As estrelas pesam o corpo de um menino, as cigarras latem a grama adulta e a noite não é escura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário