Desenho de Mariana
Fabrício Carpinejar

Meus tornozelos estão grossos de tanto que os antepassados subiram escadas. Um cantil de viajante. Meus antepassados tinham uma tara pelos assoalhos, alçapões, porões e água-furtada. Buscavam a casa dentro da casa. Fiavam esconderijos, segredos, portas e pianos trancados. Sou de outra linhagem: do pátio, do quintal e da varanda. Procuro a casa fora da casa. Confio no vapor da roupa passada pelo orvalho, no ar enlouquecido de luz, nos portões entreabertos, com barulho de ferrugem e de anéis roçando as trincas. A varanda é residência mas não deixa de ser rua. Uma embaixada, um país em outro país. Prefiro estar lá com um pé aqui. Ou aqui com um pé lá. Não é indecisão, mas timidez, que me faz participar de duas conversas ao mesmo tempo para não falar nada. Viciei-me em paredes esmaecidas, adubo de passarinho, ciscos e gravetos. Chão limpo de sujo. Bate-me um dó de quem varre as folhas, sem deixar o chão fermentar suas uvas e utensílios do caule. A calçada não pode receber nenhum tapete de presente, que logo desaparece. Gosto de esperar, envelhecer fora de hora até ser chamado para dentro. A voz é o melhor sino de igreja. O quintal me arremessa para o começo do ventre, um poço enorme, onde as janelas são as roldana e o balde. Nada substitui a intimidade de entrar pela cozinha, com as panelas fumegando e mesa se expandindo pelo cheiro. Não sou minha visita para entrar pela porta da frente, amadureci pela porta dos fundos, nas entranhas do pátio, para desembocar o ouvido nas estrelas e cigarras. As estrelas pesam o corpo de um menino, as cigarras latem a grama adulta e a noite não é escura.
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