quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/16/2006 09:51:46 AM

VELHO-DO-SACO

Pintura de Jean Dubuffet


Fabrício Carpinejar





Tremia de horror do Velho-do-saco.


O Velho-do-saco poderia ser um mendigo, carroceiro, vendedor de vassouras, representante da Hermes, traficante de enciclopédia e amolador de facas. Sempre aparecia quando contrariava os pais. Comigo, não funcionava o aviãozinho. Se não desejava comer, alguém inventava de apertar a campainha e meu estômago e zum: minha boca virava uma colheitadeira. A mãe suspirava diante da mudança de atitude.


O velho do saco ficava ainda mais assustador quando perguntava o que ele carregava.


- Crianças, ora bolas!


A mãe respondia a seco, sem o mínimo de complacência. Atitude esquisita para quem se mostrava sensível e preocupada com entidades carentes e que ia toda santa manhã na igreja. Demonstrava indiferença com o destino dos meninos e meninas sufocados no tecido de estopa e afastados dos pais. Eu me revoltava com sua insensibilidade social.


O Velho-do-saco foi o primeiro seqüestrador que eu tive conhecimento. Sonhei várias vezes com ele e ainda desfruto de condições de fazer um retrato falado. Barbudo, olhos vermelhos, sem queixo, com roupas de lenhador e ouvidos imensos de concha de praia, entenderam?


Ele se parece com todo mundo, por isso é o Velho-do-saco. Ele se disfarça dele mesmo, o que deveria confundir a localização pela polícia. Agiu impunemente durante a infância inteira. Lia o jornal para conferir se foi capturado, o que ainda não aconteceu. Fui uma criança que acompanhava o noticiário policial. Não pude constatar os efeitos colaterais desse hábito precoce.


O Velho-do-saco gostava das esquinas com mais vento. Deduzia que seu ponto fosse o da rua Bagé com a Palmeira, perto de uma lomba. Passei uma tarde espiando sua ausência de binóculo.


De noite, os irmãos lembravam comigo das escalações dos times de futebol para afugentar o sono e distrair a obrigação noturna. O pai surgia no quarto para dizer que o Velho-do-saco estava fazendo ronda pelo bairro e que o silêncio era o único jeito de enganá-lo. Eu me escondia nas cobertas, ouvindo minha respiração e os dentes do coração mastigando o ar. Os dentes tortos do coração. Os dentes de leite do coração que nunca cederam lugar aos permanentes.


Recordei de tudo isso no Dia das Bruxas. A escola pediu para o meu filho desenhar o que lhe dava pavor.


Um colega dele providenciou o lobo mau, um segundo confessou covardia do escuro, o terceiro imaginou monstros no armário, a menina lembrou dos fantasmas, outra colega ilustrou a morte com uma cruz... Cartazes ocupavam a porta da sala de aula.


Perto da fechadura, o rabisco do filho reproduzia um homem de pernas para o ar. A legenda era ainda mais estranha e engraçada: Vicente tem medo de aula de capoeira.


É um alento descobrir que o Velho-do-saco se aposentou.

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