quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

11/14/2006 10:18:33 AM

SERÁ QUE TE CONHEÇO?

Arte de Marisol Escobar


Fabrício Carpinejar





Não diga a uma mulher: "eu te conheço". Conhecendo há tempo ou recém conhecendo. É tudo o que uma mulher não precisa ouvir.


Imagino que não é por mal. Que diz: "eu te conheço", como a provar intimidade, a avisar que a observa desde antes, que recorda de suas atitudes. "Eu te conheço" não é para ofender, mas ofende. Não se guarda uma mulher na memória, uma mulher se guarda no desejo.


"Eu te conheço" parece que é um sinal de continuidade e permanência. O homem expressa sua preocupação em fixá-la, não perder de vista, acompanhá-la. Busca gravar as afinidades e documentar suas características. Funciona como uma bóia, uma bengala, um apoio.



Apesar disso, não diga. Morra afogado, mas não diga. Caia no silêncio, mas não diga. Pelo amordedeus. No casamento ou no namoro, na amizade ou no convívio do trabalho. Morda a língua, não diga. Cerre os dentes, não diga. Dito uma vez virá sempre poluir a boca.


"Eu te conheço" significa que ela está se repetindo. A mulher não se repete, ela apenas não terminou o assunto.


Significa que ela está esgotada de mistérios. Sem mistério, não há vontade de descobrir mais.


Significa que ela é previsível, soa como uma censura e advertência de que ela está fazendo sempre igual.


Significa que ela não tem mais nada a acrescentar. Que não é surpreendente ou atemorizante. A mulher quer dar medo para em seguida dividir o medo.


"Eu te conheço" não é o fim do amor, é o desamor. Uma obediência à fronteira. Acata-se um limite. Terminam-se o pressentimento, a intuição e o inesperado. O casal faz tão-somente mímica entre si.


"Eu te conheço" é encerrar alguém dentro de uma imagem, de uma projeção, de uma expectativa. É ter a lembrança do corpo ao invés do corpo.


"Eu te conheço" é covarde. É desistir da sedução, abandonar a cintura.


Não a conheça, desconheça sua mulher com toda a convicção. Escute com o ouvido da primeira vez. O ouvido da mão nos cabelos.


"Eu te conheço" torna qualquer pergunta depois desnecessária.


Não se defenda com "eu te conheço", desarme-se, facilite o riso mais do que as palavras.


"Eu te conheço" traz segurança e conforto, não a verdade, a verdade muda de idéia a cada gesto.


Pensaria muito antes de dizer "eu te conheço". Pensaria uma vida.


"Eu te conheço" é arrogância de saber mais do que o próprio futuro. E mostra que sabe menos do que o passado dela.

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