quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

9/9/2006 11:19:18 AM

O DIALETO DOS AMANTES

Arte de Egon Schiele


Fabrício Carpinejar





Eu me iniciei na matemática com palitos de fósforo. A professora começou com feijão. Mas como era escola pública e a fome grande dos alunos, teve que dispensar a primeira alternativa e se contentar em não chamar atenção do estômago, da barriga roncando e da merenda. Até porque os grãos desapareciam rapidamente de cima das classes.


Aparecemos com caixinhas para dispensar o uso dos dedos.


Na primeira contagem, estava com doze palitos, ela retirou quatro. Perguntou-me com quantos fiquei:


- Dezesseis!, respondi eufórico.


Ela me observou desapontada.


- Não, são oito.


Já com a voz recuando, retruquei.


- Não, são oito palitos e oito chamas.


E risquei os palitos. Foi um fogaréu na minha mesa.


Ela me policiou para não acender mais dentro da aula, era perigoso e pediu que refizesse as contas com os palitos apagados.


Mantive a minha opinião:


- Dezesseis!


- Mas agora não tem mais chama, Fabrício!


- Tem a lembrança do fogo. São oito palitos e oito fogos apagados.


Por insubordinação, fui para a sala do SOE (Serviço de Orientação ao Estudante). Fiquei a manhã inteira de castigo, lamentando que fui injustiçado.


Cada um tinha sua razão. No amor, a mesma incompreensão perdura. Quem está dentro de um relacionamento não é capaz de falar o idioma de quem está enxergando de fora. São ritmos diferentes. É complicado e arriscado entender de maneira prática o que é vivido com poesia. Cobra-se um comportamento padrão, recusando os pormenores e as particularidades. Como definir que se o homem não liga no dia seguinte da transa, ele não quer nada com ela. O homem pode pensar igual, não?


A poesia só cabe aos amantes. Enquanto se é a resposta, não se caça a resposta.


Os conhecidos vão procurar a tradução literal, os resultados e a lógica, eliminando a rima, as imagens e as sutilezas. Não encontrarão a beleza transparente e pequena, a carência que se apossou do desejo e não aceita ser arrancada sem explicação e resistência.


É simples culpar uma mulher por se aventurar com um homem casado. Mas a gente não tem noção do que eles viveram juntos. Nem eles mesmos. Ou por que nossa melhor amiga não larga aquele cara que aparentemente não presta? O que ele despertou nela? Amor-próprio?


É comum alguém não abandonar uma relação viciada para não desperdiçar todo o sofrimento depositado nela durante anos. Ela pagou à vista o amor com a dor e busca a recompensa de qualquer jeito. Adivinhava o trágico desfecho, mas a fé não suporta ser contrariada. Qual é a graça se de ser uma opinião unânime?


De repente, o amante nem sente mais o amor, sente apenas o orgulho do amor. Orgulho ferido do amor é pior do que o amor - não admite a renúncia e o saldo.


Não somos iniciados no dialeto criado pelos amantes. Por que se entregaram? Tem como evitar em se apaixonar, sim, tem. Mas é preciso evitar em viver também. O preço é muito alto. Não existe pessoa errada, existem circunstâncias erradas.


O amor unicamente é pecado para quem se confessa. Não procure entender o quarto pela sala. O quarto pela varanda.


Se o fogo acendeu uma vez ele será sempre a lembrança da chama. A matemática é de menos. Por mais que a conclusão esperada seja a de oito palitos.

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