quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

9/23/2004 06:49:59 PM

VERSÍCULOS

Gravura de Wilhelm Hammershoi


Fabrício Carpinejar





Não confio no copo. Deixo todo veneno em minha boca. Tem dias que ficam como brechas na estante. Não sei se alguém retirou emprestada alguma data de minha vida, roubou ou apenas me aliviou do peso de me lembrar. Desejo ser recordado por aquilo que esqueci. Aquilo que esqueci não cabe em uma biblioteca. Há dois tipos de memória: memória de motorista e memória de passageiro. Minha memória é a do passageiro. Falho ao repetir a rua, entro em outra como se já fosse a mesma. Não guardo nomes para ficar investigando os pátios das casas. O que eu vou ser quando crescer é o que não tive tempo de fazer na infância. A esposa trocou de fechadura, mas não coloquei a chave fora. A chave é também aliança. A porta sente ciúmes do que se fala na janela. Nunca fui visitado por fantasmas. Meus fantasmas são discretos como um prato de sopa.

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