quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

9/15/2006 09:10:42 PM




DEPENDÊNCIA TOTAL

Do Consultório Poético

Pintura de Egon Schiele

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Fabrício Carpinejar





"Quando ele chegou, foi como se o Universo se despisse. E, assim, conhecê-lo foi como ver o mundo sem roupa, tímido e desavergonhado. Na noite de setembro em que eu o conheci, dei-me conta de que o desencontro em mim era encontro nele. Descobri que o meu amar era mais bonito porque enchia a noite com risinhos, porque nos fazíamos encontrados no silêncio, porque nossos olhos tinham longos diálogos, porque éramos a medida da alegria indiscreta, a alegria que é quase afronta de tão descarada e sedutora que é.


Muito não tardou para que o meu encontro nele fosse desencontro para ele. Sentia-se preso. Temia minha dependência e com razão. A risada minha só podia ser ao lado dele, a alegria só era descarada se ele estivesse comigo. E logo quis impedir que ele tivesse gargalhada solo. Logo exigi estar ao lado dele em todo e qualquer riso. Não deixei que ele se encontrasse em outras alegrias, que não a minha. Erro meu. Ele, por sua vez, acenava com bandeira branca, pedindo liberdade, cada vez mais longe. E ele já estava na margem de lá quando eu, daqui, o vi partir para outra paixão. Depois de uma dolorosa traição, ele se foi. Reconheço minha responsabilidade. Exigi demais.


Perdi o sorriso, o mundo se vestiu correndo e partiu de mim. Quando eu já estava de volta ao rio, e não mais à margem, ele voltou, com os olhos úmidos a pedir perdão. Aceitei. E assim foram duas vezes. Duas novas traições por se sentir pressionado. Duas voltas porque eu tentava perdoar (e talvez não pudesse. Como esquecer, afinal?).


Agora, na terceira traição, ele se foi. E de vez. Qual não foi meu desespero ao perceber que, desta vez, ele não voltou, não quis meu perdão, não quis estar de volta... Diz que não quer mais me fazer mal, que não se sente capaz de ser fiel, que vai sempre me fazer chorar e que, apesar de me 'amar mais que tudo, para sempre' (são palavras dele, daí as aspas), não quer mais ir ao meu encontro. Desde a última traição, ele não ligou. Eu telefonei. Vez ou outra, ele atendeu. Dizia sempre que me amava. Soube agora que ele namora. Deixei de ligar. Tem sido um grande esforço. Muito grande. Não nos falamos há dois dias. Porque eu não ligo, controlo o desejo de falar com ele, de mantê-lo por perto mesmo que longe. Me esforço porque ele se retirou de cena e não posso forçá-lo a ser protagonista se ele já faz par com outra personagem de uma história nova e distante de mim.




Reconheço que não daríamos certo. Afinal, ele não me oferece o compromisso, o tal amor com coragem. Ou talvez não me ame, apesar de dizer. O que pensar? Ele me ama? Esconde-se atrás de 'estou confuso', mas ama? Ou não ama? Quanto a mim, ainda o amo. E me culpo por isso. Como amar alguém que tanto me fez chorar? E penso em estratégias para esquecê-lo como num passe de mágica, porque esse amor que sinto talvez seja vício. Quero amor fresco, amor doce, amor com alegria descarada, mas leve de pureza. Sem mágoa, sem dor. E, embora o ame, sei que a relação é inviável. Por que, então, não o esqueço? Será vício? Há uma técnica para esquecer, caro Fabrício? Há um caminho para entender? Será que devo me esforçar para mantê-lo longe e, quem sabe, um dia ele volte? Mas por que querer de volta alguém que me faz chorar assim?


Enfim, dói.


Carinho e admiração,


Manuela"




Olá, Manuela


Você entrou em uma cilada. Uma armadilha brutal. Ao ficar ao lado dele, ele parte. Na hipótese de se afastar dele, deseja que volte. Tanto a separação como a reconciliação são estratégias para alimentar o amor doentio. Amor unilateral. Criou a certeza de que sua alegria nasceu do encontro com ele. Quem vai tirar isso de sua cabeça? Posso até tirar, mas de seu coração não tenho a chave.


Ele não deseja o compromisso. Cômodo. Houve três reincidências e ainda guarda esperança. Precisa a quarta, a quinta, para ter certeza de que não presta? Esperança de convertê-lo, de convencê-lo? Vai adiantar... Já entrou no terreno da caridade e da teimosia. Não largamos amores porque precisamos provar que o tempo com eles foi especial. Nossa guerra pela manutenção de uma relação não é a favor do futuro, e sim para valorizar o passado.


Pode perdoar o rapaz, só que não vai se perdoar nunca mais. Como amá-lo sem estima, sabendo que não é ideal, que ele vive escapando, que não se contenta contigo? Como satisfazer uma ausência? Garanto que ele não a ama mais do que tudo, o amor dele fica sempre abaixo do ego e do narcisismo.


Chega ao cúmulo de se condenar e se martirizar porque ele arrumou outra namorada. Ele trai e você é culpada. Sua alegação é que "exigiu demais". Que se tornou dependente e o privou da liberdade. Não, vem exigindo de menos de você. E ele não é homem para atender suas exigências. Há algumas pessoas que deveriam sair pela porta da cozinha. E receber as sobras de comida e de nossa vida.


Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento para carpinejar@terra.com.br

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