quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

8/4/2004 10:40:06 AM

COMO ESCOLHER SEMPRE

A FILA ERRADA DO SUPERMERCADO



Fabrício Carpinejar


Com o retraimento das padarias, vai-se ao supermercado somente para comprar pão. Antes, 'visitava' o super e realizava compras gigantescas de acampamento, piquenique, estoque de guerra, para não voltar tão cedo. Hoje, qualquer item que falta, sou obrigado a pisar no universo de músicas cafonas ao fundo e de embalagens coloridas combinando com meu piercing no umbigo. Não há escapatória: lá estou eu confinado a empacotar a bolsa com o saco plástico, asfixiar os livros que carrego, e seguir viagem às gôndolas do pão. E com um carrinho que tem, eternamente, uma das rodas trancada. Se eu entro na feira das frutas e verduras, estou ralado. É o encontro anual das pessoas vítimas da lentidão. Na verdade, eu já entro com raiva, mau humor e insatisfação. Sobrevivo ao corredor polonês de meninos pedindo um troco, com sua mãe fiscalizando do outro lado da rua. Assumo o compromisso sério de apenas entrar e sair e nunca acontece do jeito que planejei. O problema é escolher a fila. Não sei o que acontece comigo, mas escolho sempre a fila mais lerda, por mais que cogite possibilidades, premedite e elabore pesquisa de opinião. Um detalhe: há dez caixas e três funcionam - isso é regra. Apresento um talento incomum ao atraso. Olho ao lado, é um caixa rápido para dez produtos, vou, há somente uma senhora em minha frente, suspiro e nada. A filha diz para sua mãe: "preciso ir". Deixa um cheque e sai correndo para não chegar atrasada. A mãe, com jeito de biscoito traquinas em promoção, não vê tempo para discordar e acena. O que acontece? O cheque não é aprovado e a portadora não está mais no local. Fico quinze minutos aguardando minha vez, até que seja solucionado o impasse. E já me aconteceu de produtos que clientes levavam com preço errado, de conversa no balcão de ex-namorados, de crianças esvaziando a niqueleira para pagar chocolate. Novo dia: escolho a fila mais longa pensando que será diferente. Tomo o caminho inverso, concluindo que os atalhos são mais longos. A fila desafoga como vinho de garrafão em funil. Tudo escoa com uma celeridade de coelho. Eu me sinto inteligente, soberano nas decisões. Coloco os alimentos na esteira e é justamente o momento em que acaba o rolo da registradora. Puff, assim, puff. Assisto a paciente moça abrir a tampa, enrolar, anotar o recente pagamento, soprar as teclas, chamar a supervisora, trocar o papel higiênico da máquina, apertar numa tecla para reaver os movimentos, bater nas costas do visor para a registradora arrotar como um bebê de poucos meses. E eu ali, cheio da paternidade das coisas que não fiz.

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