quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

8/3/2004 10:02:05 AM

DEVAGAR E NUNCA


Fabrício Carpinejar


Sempre fiquei com medo de morder a hóstia. Morder o corpo de Cristo. O pior é que colava no céu da boca. A catequese nos ensina o canibalismo desde cedo, depois é difícil mudar. Faço compras quando estou de luto. Contrair uma dívida é uma forma de adiar a morte. Eu colecionava carnês de lojas. Pareciam cheques. Escrevia no papel carbono para ver minha letra atravessar a parede como um fantasma. O sol é mais fofoqueiro do que a chuva - põe todo mundo à rua. Quando as cerejeiras se separam do inverno, elas pintam o cabelo. Queria ser mais real para não me enxergar. Na natação, nunca ganhava a disputa do maior tempo de mergulho. Meus ouvidos não aprenderam a nadar. Me comovo com quem lambe a tampa do iogurte. Não me comovo com quem consulta o relógio. Os joelhos são escadas sem corrimão. Conheci gente que se machucou feio ao cair dentro de seu corpo. Não sei puxar conversa, sei terminar a conversa. Amar com medo é mais seguro do que amar sem medo. Na falta de amor, ao menos, ama-se o medo.

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