quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

8/28/2005 02:11:24 PM

DESCONFIAR É TRAIR A SI MESMO

Da série "Consultório Poético"


Fabrício Carpinejar





Recebo uma carta em que Andréia se vê desesperada com seu ciúme. Tem medo de ser traída, de ser passada para trás. Confessa que ativa o sistema de desconfiança diante de simples dez minutos de atraso do marido Paulo. Assegura que não há como confirmar traições dele até o momento, porém enlouquece com a hipótese. Como ele se relaciona bem com as colegas, apresenta uma vida de negócios atribulada, é bonito e inteligente, ela cria o inferno das especulações. Não bastando, invade a privacidade dele, mexe em seus e-mails quando pode, na caixa de mensagens de seu celular, nos bolsos do casaco, nas gavetas, à procura de alguma prova. Fica braba sem que ele entenda.


Andréia, o que posso dizer é que ainda não está convencida de que conquistou Paulo. Pensa que ele fez um favor casando contigo. E não é verdade, ele não estaria contigo há cinco anos por compaixão. É natural ter ciúme sem sentido, desde que não seja costume. Todo contato exterior é, para você, um indício do fim. Transformou o casamento em um inquérito. Procura o crime, não o amor. Procura um motivo para se separar, não para permanecer junto. Procura a suspeita, não a lembrança. Procura o fim do amor e esquece de viver o que gerou seu início. Deve amá-lo tanto que não quer sofrer com a chance remota de um divórcio. Então, antecipa o divórcio para sofrer tudo de uma vez. Mas não há o que sofrer, não há o que falar, esse é o problema. Desperdiça sua vida em um estado permanente de desconfiança. O que é pior: conviver com a amargura de traições sucessivas infladas pela sua imaginação ou ser traída? Ainda acho que correr o risco da traição é mais confortável e justo do que pressenti-la a cada momento. Qualquer um pode ser traído, mas não é possível tomar a infidelidade como regra ou conseqüência da rotina.


Desconfiar é quebrar o pacto de partilha. Se Paulo foi mulherengo no passado, como conta, não significa que ele continua sendo. Nenhum homem segue o raciocínio em linha reta. O ciúme excessivo indica curiosamente sua falta de liberdade, não a dele. Vive somente para Paulo, não para si. Busque sair com as amigas, esfriar a idéia fixa, fazer o que mais gosta. Está presa na prisão que criou para ele. Não notou, mas você engoliu a chave do cárcere. Deve cuspi-la enquanto é tempo. Ele demora porque sempre o está esperando com tremenda antecedência. A necessidade de posse do amado é o pretexto para que deixe de viver e não assuma a responsabilidade pelos seus atos.


Seu receio é que ele a envergonhe publicamente com a traição, que seja ofendida perante a família. Eu me preocuparia com a verdade pessoal, não com a vaidade social. O amor carrega no colo o fiasco. Não há como dissociá-los. Sem o fiasco não encontrará a autenticidade.


A paranóia despropositada somente acentua o clima de desgaste e de esgotamento, de confronto e de expiação, que levará ao término da lealdade e, agora sim, às autênticas traições. Quem antecipa deseja que aconteça, não concorda?


Aconselho a amar o percurso acima do resultado final. Vem apagando o trajeto para apressar sua chegada ao endereço e ao nome dele. Que Paulo não seja o destino, mas um caminho. Que a pedra, a árvore, a praça, a padaria, as casas em fila indiana, as crianças brincando na calçada sejam amadas antes de entrar em casa. E assim o musgo das escadas, a formiga carregando a balsa da folha, um pássaro costurando o casaco do ninho poderá ensinar algo novo sobre os dois.


O "Consultório Poético - para complicar o que já estava complicado" recebe colaborações. Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento. Tentarei responder aqui ao longo da semana. E-mail: carpinejar@terra.com.br

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