Da série "Consultório Poético"
Fabrício Carpinejar

Recebo uma carta em que Andréia se vê desesperada com seu ciúme. Tem medo de ser traída, de ser passada para trás. Confessa que ativa o sistema de desconfiança diante de simples dez minutos de atraso do marido Paulo. Assegura que não há como confirmar traições dele até o momento, porém enlouquece com a hipótese. Como ele se relaciona bem com as colegas, apresenta uma vida de negócios atribulada, é bonito e inteligente, ela cria o inferno das especulações. Não bastando, invade a privacidade dele, mexe em seus e-mails quando pode, na caixa de mensagens de seu celular, nos bolsos do casaco, nas gavetas, à procura de alguma prova. Fica braba sem que ele entenda.
Andréia, o que posso dizer é que ainda não está convencida de que conquistou Paulo. Pensa que ele fez um favor casando contigo. E não é verdade, ele não estaria contigo há cinco anos por compaixão. É natural ter ciúme sem sentido, desde que não seja costume. Todo contato exterior é, para você, um indício do fim. Transformou o casamento em um inquérito. Procura o crime, não o amor. Procura um motivo para se separar, não para permanecer junto. Procura a suspeita, não a lembrança. Procura o fim do amor e esquece de viver o que gerou seu início. Deve amá-lo tanto que não quer sofrer com a chance remota de um divórcio. Então, antecipa o divórcio para sofrer tudo de uma vez. Mas não há o que sofrer, não há o que falar, esse é o problema. Desperdiça sua vida em um estado permanente de desconfiança. O que é pior: conviver com a amargura de traições sucessivas infladas pela sua imaginação ou ser traída? Ainda acho que correr o risco da traição é mais confortável e justo do que pressenti-la a cada momento. Qualquer um pode ser traído, mas não é possível tomar a infidelidade como regra ou conseqüência da rotina.
Desconfiar é quebrar o pacto de partilha. Se Paulo foi mulherengo no passado, como conta, não significa que ele continua sendo. Nenhum homem segue o raciocínio em linha reta. O ciúme excessivo indica curiosamente sua falta de liberdade, não a dele. Vive somente para Paulo, não para si. Busque sair com as amigas, esfriar a idéia fixa, fazer o que mais gosta. Está presa na prisão que criou para ele. Não notou, mas você engoliu a chave do cárcere. Deve cuspi-la enquanto é tempo. Ele demora porque sempre o está esperando com tremenda antecedência. A necessidade de posse do amado é o pretexto para que deixe de viver e não assuma a responsabilidade pelos seus atos.
Seu receio é que ele a envergonhe publicamente com a traição, que seja ofendida perante a família. Eu me preocuparia com a verdade pessoal, não com a vaidade social. O amor carrega no colo o fiasco. Não há como dissociá-los. Sem o fiasco não encontrará a autenticidade.
A paranóia despropositada somente acentua o clima de desgaste e de esgotamento, de confronto e de expiação, que levará ao término da lealdade e, agora sim, às autênticas traições. Quem antecipa deseja que aconteça, não concorda?
Aconselho a amar o percurso acima do resultado final. Vem apagando o trajeto para apressar sua chegada ao endereço e ao nome dele. Que Paulo não seja o destino, mas um caminho. Que a pedra, a árvore, a praça, a padaria, as casas em fila indiana, as crianças brincando na calçada sejam amadas antes de entrar em casa. E assim o musgo das escadas, a formiga carregando a balsa da folha, um pássaro costurando o casaco do ninho poderá ensinar algo novo sobre os dois.
O "Consultório Poético - para complicar o que já estava complicado" recebe colaborações. Pode mandar cartas com suas dúvidas de relacionamento. Tentarei responder aqui ao longo da semana. E-mail: carpinejar@terra.com.br

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