quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

8/27/2004 09:56:32 AM

A LUZ DO CORREDOR

Para Kátia Suman


Fabrício Carpinejar


Há um tempo de aprender no tempo de desaprender a si mesmo. Eu nunca havia reparado na luz do corredor até ter filhos. Ela não tinha necessidade, eu não a acendia, ficava desligada sem insetos no bojo de sua esfera, com o interruptor decorativo. Limpa e impecável como quem saiu do banho. Uma luz que não pesava na lista do mercado, que não conhecia a escada, que não apitava som e não explodia com a umidade. Depois que nasceram as crianças, ela passou a existir e adquiriu uma importância maior do que a do quarto e da sala. Do descaso e acidente, tornou-se uma lâmpada materna. Uma lâmpada que dá claridade sem tirar o escuro, que dá clareza sem anular a pergunta, um elo entre a cama dos pais e o sono dos filhos, um confessionário da residência, com ouvidos prontos a receber a troca de guarda. A luz do corredor serve para ler enquanto o outro dorme, serve para as crianças não se sentirem amassadas pelo fim do dia, tranqüiliza e faz esperança. A luz do corredor é terapia de casal, concilia as diferenças do cansaço. Cão de guarda que não incomoda com os latidos e lambe apenas os pés e os chinelos ao pé do armário. Quando o descanso é mais pesado, a luz do corredor é eventualmente substituída pela luz do banheiro, com a porta entreaberta, mas não perde sua realeza ao permitir a passagem sem fiscalizar o trânsito. Minha idade poderia ser identificada pelo uso das lâmpadas. Quando criança, queria dormir de luz acesa. Quando adolescente, todas as luzes ficavam apagadas para não denunciar a hora que chegava. Quando adulto, a sala permanecia iluminada e me convidava para a janela. Quando maduro, vou me importar somente com a luz de fora, para advertir que existe alguém em casa, que a luz de dentro não foi uma luz roubada.

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