quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

8/13/2004 11:05:15 AM

REPETÊNCIA


Fabrício Carpinejar


Na infância, queria me repetir. Jogar futebol todas as tardes já era suficiente. Bastava sol lá fora e o resto se resolvia. As palavras quebravam a ponta do lápis de propósito, quando mangueirava a cor. Elas não gostavam de se molhar de azul. Desejei rodar na 1ª série para repetir a professora. Desenhava árvore sem chão e a professora ficava assustada. Tentava me interpretar quando eu interpretava a árvore. Ao se assustar, se aproximava. Passei a desfalcar o mundo do mundo para prender sua atenção. Não contava com seu amor, mas com seu susto, o que era um começo. Uma árvore sem chão tem terra dentro guardada. Assim como o barco sem mar tem água guardada. O barco engravida a árvore. Eu desviei minha distração para contar os minutos de pouso dos insetos. Os insetos são histéricos, não são caseiros em suas asas. Diferente dos patos, que voam como saída de incêndio. Não consigo amarrar os cadarços e não morri por isso. Não aprender alguma coisa é o equivalente a esquecer um guarda-chuva. Haverá luz para se redimir no dia seguinte. Eu sempre suspeitei que eu daria em nada. Escutei o estômago do livro, fazia barulhos estranhos. Só podia ser vermes. Apanhei uma traça bem no momento em que abria um buraco na obra. Espero o estranhamento para lembrar do que deixei para depois. Um copo de água e açúcar funciona se a colher está enferrujada. Um compromisso antigo ainda me aguarda. Qual é a tolerância que se deve conceder a um atraso? Quinze minutos, meia hora, uma hora, uma morte, um filho, uma separação, uma coincidência? E o que torna o atraso perdoável? Um outro atraso? E se entramos na porta errada, era problema da porta? E se a infelicidade é apenas uma alegria que não solta os cabelos? O ermo não tem curvas. Quem reza ao dormir, dorme lendo Deus. Deus é um texto muito comprido para acabar em uma noite. Prefiro poemas. Me perturbo ao olhar um duelo de um gato com uma lesma. O gato confunde a lesma com sua língua e não entende como ela se endoidece sozinha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário