quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

8/12/2004 12:55:48 PM

O PREÇO DA VIDA

Texto de apresentação do livro Todas as festas felizes demais


Fabrício Carpinejar


O conto oferece duas histórias que se entrecruzam. A crônica trabalha com apenas uma história. Fabio Danesi faz uma história e meia em suas narrativas breves, engraçadas e hiperbólicas de Todas as Festas Felizes Demais. Fica entre a crônica e o conto, traficando humor negro, branco e amarelo. Herda a leveza lírica da linguagem de Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende, mas a dilapida pouco a pouco com enredos altamente simbólicos e cáusticos. É como se Nelson Rodrigues aparecesse de vez e quando para comentários especiais na locução do jogo entre a vida e a morte, entre deus e o diabo. Sabe aquele sujeito que nunca se tem a certeza se está falando sério ou gargalhando em silêncio? Danesi é assim. "Eu me amo. O diabo é que não sou correspondido", confessa em um narcisismo frustado. Ele é ingenuamente debochado. Misterioso de tão claro. Usa sua pureza para atacar. Prepara voz de criança para declarar as verdades mais doloridas e cruéis. Apronta voz de adulto para descrever fábulas infantis. As tramas são diretas, didáticas no espanto e até previsíveis, mas irradiam original malícia em breve fio de saliva, em máximas cuidadosas e ágeis, captando metamorfoses irreverentes e monstruosas. Aqui, a barata de Kafka se transforma novamente em homem. Espécie de exorcismo: criança proibida de palavrão solta verbo em estádio, amigo derrete ao conviver com objetos cafonas e luzentes, Aristides se converte em um mamilo.


O livro começa com uma promoção de venda de vida na Terra em pacote turístico, onde é possível escolher "ser homem, mulher e mais dois sexos totalmente exclusivos". As ironias reinam em mundos de fachadas, vitrines e maquetes, em que o falso é verdadeiro. Num velório, o homem se despede de sua mulher com a raiva de perceber que não era o único que a amava. O velório logo se revela um ritual bem diferente. A gratuidade decorre em apanhar os pensamentos das pessoas mais do que os fatos. Em outro texto, a mulher acorda no lustre, o homem no armário. Tudo muda de repente: os cômodos, o número da casa, o bairro e, inclusive, a cidade. Igual a cenário de programa de tevê. O autor abusa do livre-arbítrio para mostrar o desespero cômico por dentro dos relacionamentos. Aliás, os casais são suas vítimas prediletas. Joãozinho troca de identidade para conquistar uma guria. Antes de ir a um batizado, par amoroso, desavisado do destino que o aguarda, discute se deve ou não ter filhos. Em "Encontro", o escritor expõe namorados mergulhados na indefinição, que costumam responder uma pergunta com outra, tipo "Você gostaria de ir lá?" com "Por que não?". Quem não se viu como cobaia da impotência numa ratoeira parecida?


"Se algumas almas nascem por equívoco", essa obra de estréia apresenta a história secreta dos erros, ilusões e projeções afetivas. Talvez você procure informações sobre a idade do autor na última página ou na própria orelha. Esquece. Deve-se perguntar a idade ao texto. E o texto vai se mostrar bem mais maduro do que imaginava. Fabio Danesi descobre que o problema da festa é que ela deu certo. Foi feliz demais. "A vida é o único produto cujo preço é seu consumo."


Todas as festas felizes demais

Fábio Danesi Rossi

Editora Barracuda

96 páginas

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