quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

8/10/2005 08:29:57 AM

CEDER

Pintura de Henri Michaux


Fabrício Carpinejar





Ceder deveria ser riscado do glossário do casamento. Ceder nunca é bom, algo como perder com honra, não ter conseguido. Lembra o time que cedeu o empate no final. Qualquer torcedor concordaria comigo que é frustração. Estar perto da vitória aumenta a derrota. Ceder assemelha à renúncia, à mutilação. Não é generosidade, deixou-se de cumprir por falta de liberdade ou concordância. É um otimismo pessimista, quando acontece algo ruim e a pessoa se conforma, aliviada, de que poderia ser pior. Quem cede no casamento se separa. Ceder se transforma depois em cobrança, em ofensa, em mau humor. Quem cede uma vez exigirá que o par ceda em seguida. Ceder é vicioso, uma vingança planejada. Entra-se no jogo intelectual da retórica, em que ambos têm razão e pouca alegria.


Ceder é esforço, não é inspiração. Cede-se para calar, não para ouvir. Ao ceder, é feito caridade, sacrifício. É a negação da vontade. Ofende-se a crença com o abandono: engolir a seco a fé, cuspir a fé como gripe. Ceder não oferece compreensão, mas evidencia uma guerra silenciosa, autoritária, de persuasão e posse. Ceder afirma a dependência pelos defeitos. É uma carência resignada.


Na relação, parece que é consenso alguém abdicar de sua felicidade em nome da felicidade do outro. É como se a casa não permitisse duas felicidades. Tem que ser uma de cada vez. Por quê? Elas não podem se completar? Não podem coexistir? Fazer a vontade de quem se ama não é uma prova de amor. Em primeiro lugar, amor não depende de provas. Amor não é castigo, a ponto de exigir a anulação de identidades. Que a oposição permaneça dentro de casa, que é melhor do que ceder. Quem cede não muda de opinião, apenas concordou provisoriamente para discordar em seguida.


Ceder é o primeiro sinal do cinismo na convivência. Cinismo consiste em falar o contrário do que se diz, omitir o pensamento. Não conheço verdade que não tenha nascido de alguma discordância. Ceder é alienação, não esperar mais nenhuma reação de entendimento. Privar-se da possibilidade de ser acompanhado. Mentir que não tem importância. Encerrar a conversa para não se incomodar. Resume o egoísmo das duas partes em apagar as diferenças.


Não merecer a atenção no casamento é a mais grave humilhação.

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