quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

7/5/2006 12:03:13 PM

EMPRESTANDO ROUPAS AO MARIDO

Ilustração do "Pequeno Príncipe" e pintura de Jean Dubuffet


Fabrício Carpinejar







Ana fica possessa, mas inventei de usar seus casacos. Ela escondeu os melhores na parte inferior do guarda-roupa. Encontrei-os em longa investigação, sufocados pelo edredom. Já tomei para mim dois casacos de couro. Estão nos meus cabides, felizes com a troca rápida e indolor de sexo.


No início, fazia para provocar. Depois, surgiu com uma alegre possibilidade de ampliar meu repertório sem custo algum.


Hoje saí com uma peça dela de veludo. Antes de bater a porta, ela amaldiçoou que é um vestido. Bem disfarçado, dá para enganar que é um casaco. Não mergulhei em sua conversa. Acreditei que me constrangia para não estragá-lo. Tática de intimidação. Entre o trinco e sua boca, ouvi seu grito:


- Tem certeza que vai sair assim?


É óbvio que os botões prateados complicam as explicações. Examinado com rigor, diante do espelho, é parente da túnica acinturada que cobre o Pequeno Príncipe. Não penso mais no assunto para não sentir calor.



Não deve ser fácil para uma mulher suportar o marido roubando suas roupas. Eu a entendo e sou solidário com a desgraça. Os casacos justos e conservados tornam-se grandalhões e largos depois que devolvo. Imprestáveis. Ao casar e se ver livre dos furtos da irmã mais nova, apareço na maturidade para completar a tragédia familiar.


Com a caçula, ela sofria horrores. A mãe sempre dava razão para a menor, insistia que emprestasse e ainda a chamava de avarenta. Quem não passou por isso? Toda aquela combinação bolada durante horas de noite fracassava de manhã. Sumia algo do conjunto. Nem pedir, ela pedia. Caso ela pedisse, Ana não emprestaria, mas a educação é fundamental para o ódio.


A impunidade irritava. Incerta se não achava a saia pela pressa ou se a dileta tratou de arrancar sorrateiramente dali. O azar dela era contar com uma irmã com o mesmo número de sapato e idêntico manequim - não desejo a ninguém.


E quando a irmã quebrava o pacto de vizinhança e surgia desfilando na escola com seu modelo transado, diante do riso da turma. A vontade era a de se esconder e vender a confecção a um brechó.


Pior que isso é se deparar com um colega no trabalho trajando a camisa igual a sua, adquirida numa promoção. São raros meus impulsos homicidas. Com certeza, esse é o primeiro deles. A ânsia de eliminar a concorrência, mesmo que seja começando por mim.


Ponho com orgulho os casacos de minha mulher. Só nos momentos em que não posso vestir seu corpo.

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