quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

7/2/2006 05:22:39 PM

UM LITRÃO DE AMOR

Arte de Andy Warhol


Fabrício Carpinejar





Decidi fazer vasectomia, depois de dois filhos no mundo. Não esperava as reações mais desbaratadas entre os próximos. Minha mulher considerou um ato de extremo amor, já que encerrava com ela minha carreira fértil de varão. Abraçou-me com as pernas, emocionada, como se houvesse a pedido novamente em casamento.


Entendeu que eu me aposentava aos 35 anos, quando ainda renderia muito em campo. Largava a possibilidade de vir a ser de outra em igualdade de condições. Escolhia sua comodidade; ela deixaria de ser a culpada pela gravidez (sim, o homem sempre culpa a mulher e esquece que também é responsável) e de se preocupar com camisinha estourada, anticoncepcional ou cogitar métodos alternativos como DIU.


* * *


Fui conversar com os amigos para tirar a teima do assunto. Eles brindaram meu nome com efusão, pagaram a bebida e me carregaram nos ombros como um ídolo no bar. A tese deles é que poderia trair sem me comprometer com amantes caçadoras de filhos. E seria até engraçado ser informado por uma mulher que era o pai de sua criança e responder: - Não fui eu, fiz vasectomia. Fiquei perplexo com a imaginação diabólica da rapaziada.


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Inventei de contar para a minha mãe, que não escondeu a felicidade. Elogiou a inteligência da iniciativa, agarrou-me como se fosse agenda de adolescente e esclareceu -entre suspiros e bênçãos - que agora só pagaria pensão para o passado. "Finalmente, ele não é mais ingênuo", me confidenciou, com a impessoalidade de uma terceira pessoa.


***


Nada de mesa de operações, cirurgias complexas, a vasectomia foi simples como exame de clube de natação. Pude sair dirigindo no mesmo dia e a única precaução era não carregar peso e comprimir uma bolsa de água fria nas bolas. Minha mulher enfrentou três subidas, sozinha, com as compras do supermercado nos quatro vãos de escadas. Fazia tempo que não me sentia adoentado - a última vez aconteceu na 5ª série, quando cai em febre para não cumprir a prova de Máximo Denominador Comum. Aproveitei o luxo do descanso mais pelo folclore do que pela realidade. Menti as recomendações do consultório, como se eu precisasse mais do que pedras de gelo em meu uísque.


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Estranho é que mantinha provisoriamente a fertilidade. O médico avisou que havia chance de gerar filho (numa hipótese remota, mas estatística) nas primeiras 25 ejaculadas após a operação. O risco é que sobrasse Fabricinhos no saco. Concluídas as vinte e cinco, teria que levar uma amostra do esperma para a análise e receber a sentença final. Comprei um quadro-negro e botei na parede do quarto no lugar do "O beijo", de Klimt, guardado debaixo da cama.


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Péssima idéia. E eu sou homem de contar trepadas? Estava destinado a registrar cada desempenho com um toque do giz. Porém, me afligiu uma dúvida e a transparência do relacionamento dificultou o raciocínio. As punhetas, o que faria com elas? Marcaria também no quadro? Passei a roubar minhas próprias gozadas e a esposa inventou de apagar algumas dizendo que estava me apressando e que não sabia ser honesto nem durante o sexo. Não ia dizer que homem casado também se masturba... Arrumei um controle paralelo nos papeizinhos amarelos, somando as transas reais e as fictícias.


* * *


O triste é que alguns pacientes entendem errado o aviso das vinte e cinco golfadas. Ao invés do potinho de laboratório com a vigésima sexta ejaculação, um deles apareceu no consultório com um litrão de coca-cola e entregou ao doutor, alegando que tinha sido difícil coletar tanta porra. Durante dois meses, gozava dentro da garrafa. Quase se apaixonou por ela, quase morreu no gargalo.


PUBLICADO EM ZERO HORA, CADERNO DONNA

Coluna de Luis Fernando Verissimo - Interino

Porto Alegre, 02 de julho de 2006. Edição nº 14920

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