quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

7/17/2004 02:13:22 PM

NADA ACONTECE, TUDO É POSSÍVEL


Fabrício Carpinejar


O vaso gira pelo pátio. Brinca de si mesmo. Sem flor ou terra, gira. Zune manso, como uma clareira da chuva. Seu monólogo é elegante, duas voltas e meia antes de se repetir. Até Deus se repete para não se esquecer. O vaso passa uma tranqüilidade de consoante, não a pressa das vogais. Traça rotas pelo prazer do barulho, melodia de pata riscando a asa. É afilhado daquela caneca de fogo que usávamos para tomar banho. A caneca servia para nos aquecer na saída corajosa da água. Só olhar o fogo diminuía o frio. Ela nem fazia muita diferença. Uma lareira miniatura, que consumia o álcool mais do que a sujeira. Aprendi a escrever com a neblina. Desenhava letras na cerração das janelas. O frio tem letras de vidro. Um dia o que eu escrevi vira vitral. Pulo frutas para roubar muros. Os pássaros se secam quando levam susto. Ao cantar, a ave também está migrando. A terra bem que tenta segurar o horizonte. Sempre nos momentos em que nada acontece tudo é possível.

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