quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

7/13/2004 02:56:33 PM

NOVE ANOS

Da série MINHA INFÂNCIA NÃO ATRAVESSA A RUA SOZINHA


Fabrício Carpinejar


No refeitório, os colegas batiam os pratos azuis na mesa, chamando a comida para a briga. Lembro dos pratos marchando em fila e os garfos fazendo continência. O lanche do recreio era a refeição mais importante do dia de muitas crianças. Ninguém estranhava comer sopa de feijão ou massa com legumes às 9h30. Os guris gritavam, devoravam rápido sem distanciar por um minuto sequer a comida dos lábios. A caneca do suco ou do leite vivia esburacada de beiços. Eu nem sentia o sabor do líquido, mas unicamente do plástico. Plástico queimado. Aquela manhã reunia 200 crianças de uniforme. Eu terminei sendo o mais lento. Fiquei por último, sem encontrar muito finalidade para a gororoba de abacate. Eu tossia quando ficava nervoso. Não tinha fome muito menos sede. Sempre fui um camelo com medo de parar. Isolado em meu canto, com o único objetivo de não ser reparado. É estranho, quando tentava me esconder, terminava sendo extremamente visto. Assim acontecia quando sentava no fundo da sala, escondido atrás das costas de algum colega. Dito e feito, o professor logo me farejava e me chamava ao quadro negro. Pressentindo meu pavor, uma turma mais velha se aproximou de mim e começou a provocar, favorecida pela ausência dos professores. Me chamava de "guriazinha". Se eu respondesse iria apanhar. Se não respondesse, apanharia igual. Retruquei, mal mostrando os dentes, com a língua presa, falando para dentro que guriazinha era a calcinha que eles usavam. Pensei que havia apenas pensado. Mas fui puxado com violência, rasgaram minha camisa como se fosse pano de prato. O maior, um pivete que passou a maior parte de sua infância e adolescência na 5ª série, tirou um canivete do bolso e se aproximou de minha garganta. Eu já tremia mais do que o suportável na minha idade. Estávamos no segundo andar da escola pública. Ele abriu a janela e me segurou pelas pernas. Fiquei de cabeça virada, prestes a cair, girando como um ioiô. Percebi o kichute resistindo por um fio, amarrado nas canelas. Alguém gritou no corredor, eles se assustaram. Daí tonto, enjoado, encontrei uma finalidade para o abacate. E fui metendo a boca para cima deles.

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