quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

6/3/2005 02:42:03 PM

JORNAL VALOR ECONÔMICO

Eu& Fim de semana, 3/6/05




Conexão


A PROSA DE BRAFF E O VERSO DE CARPINEJAR

O gaúcho, Carpinejar, 32 anos, acaba de lançar "Como no Céu/Livro de Visitas" (Bertrand Brasil), publicação que o coloca entre os grandes da literatura atual. Na conversa com seu conterrâneo Menalton Braff, ganhador do Prêmio Jabuti de 2000, ele fala sobre as influências que marcam sua vida e obra.


Foto: Renata Stoduto



Fabrício Carpinejar



Menalton Braff: Quem sai aos seus não degenera. Você é poeta, logo não degenerou. Considerando que "de tudo resta um pouco", o que restou em você dos (poestas) Carlos Nejar e da Maria Carpi?


Carpinejar: Herdei o amor espontâneo à linguagem. Não declamar, mas reclamar poesia. Em casa, não havia a solenidade da leitura do verso, ninguém batia no copo para falar, no máximo quebrava-se o copo. O livro acontecia fora do livro, ao estender a roupa ou trocar dedos de prosa na sacada. Sou poeta não como a profissão que segui dos pais, mas como uma solidão incurável que não podia fugir. Uma vontade de exceder o corpo, de compreender as pessoas. Falava errado, trocavas as palavras. A poesia foi minha fonoaudióloga. Para um guri tímido, que não sabia se expressar, escrever era uma benção. Ninguém me corrigia, zombava, troçava de minha voz no papel.


Braff: Em seu último livro, os títulos "como no céu" e "livro de visitas" estão colados um nas costas do outro, como o homem primordial, aquele homem esférico, completo e perfeito. Eles já se encontraram ou ainda não foram separados? Enfim, qual dos dois é ele e qual é ela?


Carpinejar: Que livros mal-educados, hein? Um de costas para o outro. Já falei para eles, mas não tem jeito. Estão "brabos", cada um deles quer ser o preferido. Não me interessa o homem perfeito, tão seguro de si, que não procura se atualizar. Eu me interesso pelo homem insuficiente, o que desenvolve sua capacidade de comover e de se questionar e não se esconde em fachadas na linguagem ou frases prontas. Estamos em uma época em que o homem se envergonha de não saber, mas sem a dúvida não há mais o que aprender. A ignorância é o atalho para a inteligência. "Como No Céu" e "Livro de Visitas" são obras de amor, de brigas e impasses, de delícias e arrebatamentos, porém não significam versos declamatórios e exagerados para agradar. A verdade não agrada. A verdade ensina. Falo de detalhes do relacionamento a dois, do que esquecemos de reparar pela pressa em concluir. No amor, deveríamos ter menos pressa para finalizar e conhecer tudo sobre quem vivemos. Agradeço o que ainda não conheço de minha mulher. Assim posso me surpreender um pouco por dia.




Menalton Braff


Carpinejar: Bem, Menalton, e você, que muda de livro para livro. "Na Teia do Sol" (Planeta) cobre a insolação e o esconderijo de um refugiado político da ditadura militar e a escrita se amplia em círculos, a reverberar a tensão do medo e a fadiga dele. Em "Que Enchente me Carrega?" (Palavra Mágica) é a história de um artesão quase extinto e demitido pela sociedade e os períodos longos reproduzem um estado de angústia. Já "Castelos de Papel" (Nova Fronteira) oferece a crise de identidade de um empresário e a prosa encontra o formato de um quebra-cabeça. Vejo que não são os personagens que se adaptam ao autor, mas o autor que se adapta aos personagens. Sua técnica é se interiorizar na psicologia dos protagonistas?


Braff: Uma das primeiras preocupações do narrador é encontrar a forma adequada ao que pretende narrar. Além disso, procuro fazer literatura apenas com o que me encanta ou com o que me espanta. Me parece que a origem da mudança está na diversidade das situações e das personagens com que me deparo diariamente e na variação das técnicas narrativas com que procuro encontrar a forma justa. "Na Teia do Sol" e "Que Enchente me Carrega?" têm em comum o fluxo de consciência, pois ambos têm como protagonista um ser solitário, que durante o tempo quase todo está sujeito ao diálogo consigo mesmo. "Na Teia do Sol", contudo, por apresentar uma situação mais radicalmente de solidão, radicaliza também o fluxo de consciência.

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