quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

6/25/2006 05:13:54 PM

NO PONTO REMOTO DA ESTRADA

Pintura de André Derain


Fabrício Carpinejar





Ao viajar de carro para o interior do estado, eu me fixo na casinha ao sopé do morro, isolada, sem nenhuma vizinhança aparente por perto. Casinha de madeira, com uma pobreza de barco.


Cachorros jogam escravos de jó com as pedras, galos e galinhas pulam corda transparente, os pássaros piam como se fosse sempre inverno e úmido.


A casinha encravada entre dois mundos: a estrada cheia, intensa de tráfego, e a cidade do outro lado da mata. São alguns minutos para absorvê-la, o bastante para que a curiosidade me faça projetar como seria a minha vida lá. Com quem estaria, o que teria para consumar ao longo do dia?


O varal com peças de pijama e toalhas está estendido na varanda. Os panos cruzam a extensão da porta com a janela principal. Pressumo que seja temor de assalto, porque quintal não falta. As roupas molhadas são as cortinas. Vejo uma senhora, de saia floreada e andar trôpego, com balde de ferro. Quanto tempo não me encontrava com um balde de ferro! Balde de poço, fundo, niqueleira de chuva.


O balde segue na altura dos seus joelhos como uma perna mecânica.


A vaca é o portão do terreno. O que delimita a geografia da família, o tamanho da posse. Ela se esquiva do animal cheirando a grama. Chora. Ou faz uma careta para a estrada. Passa pela cabeça que ela está me enxergando e pensando como é estar em meu lugar. Trocamos de corpo em uma breve coincidência e aperto de lábios.


Um homem barbudo, com dois bebês no colo, grita para que ela volte. Segura as crias como se fossem pacotes - têm uma leveza insuportável, uma leveza de galho. Respiro uma pungência no espaço, até que duas crianças mais velhas correm em direção ao que julgo ser a mãe. Juro que elas vão abraçá-la e não deixá-la caminhar. Mas a rodeiam como obstáculo do pega-pega. Nem estão interessadas no drama. E correm soltas para os fundos do terreno, em que uma parreira estoca névoa e vinho. A casinha esparsa tosse gripada.


Vejo a mulher avançando para o meio-fio da estrada, senta na parada de ônibus, posso cristalizar seu rosto. É grave, sem alça para carregar. O homem não desiste da raiva. São grunhidos, não mais palavras. Entendo que está desesperado e os bebês apresentam a cintura arredondada e engraçada de fraldas.


No conteúdo do balde, consigo discernir roupas femininas. Roupas secas, não molhadas. Já que não estão prensadas, e sim afofadas de vento, com mangas para fora.


Concluo que o balde é sua mala. Ela entra no primeiro ônibus e parte como eu.

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