quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

6/2/2006 02:04:22 PM

EXCEÇÃO À REGRA

Carpinejar mergulha na onda das "crônicas sobre o nada", mas publica um livro belo e lírico sobre o amor e a alma feminina


por DANIEL FEIX






Se o autor deste texto que você está lendo agora tivesse o dobro da idade que tem, seria muito mais facilmente contestado. Isso porque aquilo que ele vai dizer poderia à primeira vista ser interpretado como passadismo, como algo que os mais velhos costumam fazer quando não simpatizam com os novos tempos ou quando não se adaptam a alguma nova realidade. Poderia. Mas o autor tem menos de 30 anos. Apesar disso, mesmo não tendo vivido nenhuma das maiores revoluções comportamentais do século 20, de ter nascido bem depois dos anos 1960, quanto mais dos 1920, ele tem uma certeza: não se fazem mais crônicas como antigamente.


Não se trata de paixão cega por Rubem Braga, Antônio Maria ou qualquer outro nome isolado, ou mesmo de uma simpatia por estilo ou linguagem. De uma forma geral, sem se apegar a nomes, é possível constatar que, atualmente, grande parte dos textos dos jornais que se propõem a ser mais reflexivos pouco - ou nada - trazem de novo. Diferentemente do que já fizeram, muitas crônicas de hoje em dia sequer aprofundam as notícias tradicionais, quanto mais trazem alguma novidade. E não falo de novos fatos, mas de novas idéias. Há exceções, evidentemente. Há gente publicando textos que fazem a diferença, no Brasil e também no Rio Grande do Sul. Mas, como não são muitos, é possível afirmar com convicção que a crônica ficou menor. A ponto de se dizer rapidamente (coisa que só se faz quando algo se transforma em senso comum) que "crônica é um gênero lateral", como fez o escritor Paulo Bentancur na APLAUSO 74, sem que haja qualquer contestação. Crônica virou um gênero lateral. Ponto.


Nesse sentido, nada mais natural que comece a se abrigar sob o rótulo "crônica" tudo quanto é tipo de pensata, de textos vazios, que trazem tudo menos afirmações relevantes. Sujeito escreve qualquer coisa, às vezes não acrescentando nada ao que está no noticiário, ao que está na página ao lado, e, pronto, escreveu uma crônica. Não disse nada, mas, sim, escreveu uma crônica. É poeta, mas fez versos que não cabem na definição "poesia", nem mesmo "poesia em forma de prosa". Então fez "crônica".


Aí é que está: se esse poeta for alguém como Fabrício Carpinejar, dificilmente vai publicar algo irrelevante. Ao contrário. Carpinejar faz com a crônica aquilo que tanto já fez com a poesia, apesar dos pouco mais de 30 anos de idade e da produção ainda relativamente pequena: muito mais do que trazer novas idéias e fazer afirmações com alguma relevância, transforma textos, livros ou mesmo frases/versos isolados em literatura de verdade. Eleva a crônica, tanto quanto a poesia, à sublimação que só a arte é capaz de elevar. O Amor Esquece de Começar (Bertrand Brasil, 286 páginas) é crônica mas é arte, é crônica mas é literatura de verdade.


São incríveis (pela quantidade) 113 textos, uns mais outros menos curtos, mas todos carregados de intensidade. Sempre com frases rápidas e por vezes de impacto, Carpinejar poupa o leitor de qualquer rodeio. Entrega tudo já no título (Dar um Tempo, Quando Ela Goza, Medo de se Apaixonar, Desejo não é Carência, Ingrato etc.) ou na primeira frase ("Não desejo que ela seja sincera", "Ele reza toda noite para encontrar outra mulher", "Não existe amor errado" etc.), mas em nenhum momento pisa no freio. A pauta é o amor. E a linguagem, a de uma exata convulsão emocional, como diz Martha Medeiros na orelha. Nas crônicas do poeta, tudo é preciso, certeiro. Ao mesmo tempo em que parece revelar muito, sobre os sentimentos do autor, sobre sua sensibilidade, sobre os outros - ou melhor, as outras, porque o amor, em Carpinejar, tem alma feminina. O poeta usa a crônica para se revelar. Isso, em se tratando de Carpinejar, e na época atual, não é pouca coisa.



PUBLICADO NA REVISTA APLAUSO

Número 75, Ano 9, Junho de 2006

Página 40, Porto Alegre (RS)


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