quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

6/16/2006 06:14:52 PM

A FRUTA INVENTOU O DESEJO.

SUA BOCA ME DESENHOU A FRUTA


Para a única Teresa de minha vida

Pintura de Bronzino


Fabrício Carpinejar





Não desista Teresa, não desista da vida, mesmo que seja mais um dia nublado, com os pés da chuva doendo. Não desista, ainda que tenha trocado o sono pelo cansaço, que a distância ao quarto seja uma colméia exasperante de pássaros. Cansada de argumentar a seu favor. Cansada de defender seus pontos de vista. Cansada de explicar o que estava passeando em seus ouvidos. Cansada de ser vista como bruxa só porque pressente, ser vista como estranha porque se antecipa, ser vista diferente porque escreve, ser vista como perigosa porque ama sem a ênfase da recompensa. Cansada, cansada, cansada do excesso de sensibilidade, de fechar as cortinas para permanecer nua. Cansada de não adoecer porque, desde a infância, precisa justificar seu nascimento para os olhos azuis da mãe. Porque precisou se levantar cedo para ir à escola, para ir à igreja, para ir ao trabalho, para ir. E quando não ia, fugia. Fugia da ditadura, da resistência, do preconceito. Sempre havia um lugar para mantê-la fora de casa. O que é vício nos cala, o que é virtude também. Acenda as pedras. Cubra as rachaduras dos livros com cuspe e argila. As regras não são os limites. Desobedeça mais uma vez as normas. Faça de conta que não ouviu.


O mar passa ao lado do sangue. Não desista, nade com um único braço, voe com uma única perna. Passe a manteiga nos telhados, a mão fica menos dura com a manteiga, a faca fica menos ofensiva. Não desista, seu tornozelo é uma ostra que desliza melhor do que os peixes. Não desista. Se há um pouco de sede, há raiva dentro do amor. Se há um pouco de fome, ainda lavará a boca do travo cinza da despedida. Não dê por encerrada a vida, não espere ser levada, use as unhas dos cabelos para não deixar seu lugar no mundo. Chore, mas não desista. Já bebeu a luz como vidro, já bebeu a luz como vinho, já bebeu a luz como vespas. Mas a luz ainda não a bebeu toda. Não desista, Teresa. Ontem não foi seu grande dia. Não deixe a cama tirar as medidas de seu vestido. Bebe o inverno dos armários, o inverno das gavetas, sua mãos estarão alisando as próprias costas. Aperte as cordas da guitarra, a guitarra tentou se matar cortando os pulsos. Vamos enfaixar as mãos da música e fazê-la dormir em nossos braços. A guitarra é uma criança mais bonita de tranças. Eu não sei fazer tranças, Teresa.



Não desista Teresa, a dor é anônima e não nos pertence, a dor assusta para nos proteger. Põe a língua no selo para mandar uma carta, amarre os sapatos do pacote, mas não vá. Eu não sei chegar em mim sem que esteja me esperando.

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