quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

5/6/2005 01:55:40 PM

UMA CLARIDADE

Gravura de Mark Rothko


Fabrício Carpinejar


O dia aqui está laranja. Como nossa infância. Laranja, recordas? Laranja que a gente pensava que emanava das lajes ou do telhado, mas vinha das mãos mexendo no futuro. Laranja de um sorvete que não existia, a não ser na luz que o comia. Laranja como a nossa convicção. Nunca pensei em laranja para vestir, hoje me acordei dentro dessa cor e lembrei o que não sabia. Laranja do interior da fruta, não da casca, do sumo que fica organizado para a boca e distribuído em lágrimas empacotadas, com o rigor de penas de um pássaro. Laranja dos olhos arregalados em fotografias. Laranja cristalino. Laranja crespo. Laranja como a crista do galo quando ele dorme. Laranja como a língua depois do xarope. Laranja como os pés depois de caminhar muito na areia. Laranja como as pontas dos dedos depois da maconha. Laranja como um pasto depois da fogueira. Laranja como a iluminação no túnel. Laranja da grama queimada na praia. Laranja de um chapéu de feltro guardado no armário. Laranja de uma cadeira de palha de três gerações. Laranja como o silvo do trem. Laranja como cavalos em celeiro. Laranja como um grito de criança na piscina. Laranja como um pátio sem cachorro. Laranja como um colete de lã dado pela tia. Laranja como o peito de um pássaro na minha grade. Laranja como uma lanterna de pilha fraca. Laranja como velas de igreja. Laranja como os joelhos invisíveis das abelhas. Laranja como um segredo enrugado. Laranja é quase loucura, se não fosse casa.

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