quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

5/28/2005 10:07:18 AM

J.U. ONLINE, 27/5/05

Entrevista: Zuenir Ventura


O PARAÍSO SÃO OS OUTROS

Jornalista e escritor Zuenir Ventura está lançando "Minhas Histórias dos Outros", pela editora Planeta.


Fabrício Carpinejar


Depois de abordar o pecado capital da Inveja, Zuenir Ventura, 74 anos, recompensa os leitores com o antídoto dela: a modéstia. Incapaz de escrever uma autobiografia tradicional e se envaidecer com a experiência, decidiu fazer uma outrobiografia, ou seja, contar sua história a partir da vida dos outros, de amigos e personalidades que marcaram seu meio século de jornalismo e literatura. Encarna literalmente verso de Manoel de Barros: "O melhor de mim são os outros".


Autor de dois best-sellers - 1968, o Ano Que Não Terminou e Cidade Partida -, o escritor realiza palestra na segunda (30/5), às 20h, no Auditório do Direito da Unisinos, em São Leopoldo (RS). Na quarta (1º/6), está lançando "Minhas Histórias dos Outros" (Editora Planeta, 272 págs., R$ 37,50), às 19h30, na Livraria Cultura, em Porto Alegre, obra que já desponta nas listas dos mais vendidos. É memória no sentido mais amplo e puro: de luta contra o esquecimento e tentativa de preservar do folclore a verdade e a realidade de personagens da história do Brasil, de Vladimir Herzorg a Leon Hirzsman. "Sou uma testemunha de um período de ouro, um observador nato. Gosto de acompanhar e ouvir. No livro, os personagens falam através de mim", afirma.


Zuenir Ventura é daqueles que não conseguem tirar uma fotografia sozinho. Sente-se culpado pelo espaço que sobra. Muito menos fazer um texto sem alguma referência especial a alguém. Cada um de seus artigos significa doação e partilha, diálogo e reportagem. Conviveu com toda uma geração de artistas obcecados pela morte, como Glauber Rocha (que anteviu sua morte aos 42 anos), Mario Faustino (que morreu num acidente aéreo aos 32 anos nos Andes) e Pedro Nava (que se suicidou na velhice). Mas não foi influenciado, já estava vacinado pela alegria, herdada do pai. "Não contraí o vírus do pessimismo. Herdei o entusiasmo do meu pai, que viveu até os 97 anos, com astral fantástico. Ele era pobre, pintor de paredes e vivia orgulhoso de sua vida. Adorava ler jornais, com sua educação primária", lembra, com carinho. Zuenir aceitava e aprendia bem com as diferenças. "Não sou profissional com a doença ou masoquista. João Cabral, por exemplo, visitava uma cidade e a primeira coisa que queria olhar e visitar eram as farmácias", recorda.


"Minhas Histórias dos Outros" revela esse anti-hipocondrismo, apesar dos temas áridos e ásperos como o atentado do Riocentro. Impera a leveza e o tom conciliador que desfaz o confessionalismo e o desabafo. Zuenir não acerta as contas com ninguém, faz questão de pagar a conta aos seus convidados na cabeceira da memória. Um deles é o cineasta Glauber Rocha. "Ele sofreu muito pelo país. Caracterizava-se como vítima de um assassinato cultural. Falava e se expressava sempre por metáforas. Tinha uma intuição impressionante, tanto que profetizou a abertura política e foi malvisto pela esquerda", comenta.


Zuenir Ventura é um contador de histórias. Porém, agora é a história que o narra. Sua alegria é dobrada: alegria de escrever a alegria de ter vivido.

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