quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

5/16/2006 06:19:52 PM




Consultório Poético tenta explicar um sumiço amoroso. Confira abaixo ou no site da Superinteressante.



DESAPARECIMENTO MAL-EDUCADO

Pintura de Giorgio De Chirico


Fabrício Carpinejar





"Reencontrei por acaso um ex-colega de trabalho que eu não via há uns quatro, cinco anos. A convivência sempre foi daquele tipo "amor e ódio". Por causa dele, para você ter idéia, pedi demissão. Mas na hora do reencontro parecíamos duas pessoas queridas. Estranho. O cara ficou assustado por eu ter falado com ele tão animadamente. Passou. Meses depois do primeiro encontro, outro reencontro por acaso. Desta vez, sentamos na mesma mesa de bar e conversamos durante umas quatro horas. O cara se lembrava do dia em que me viu pela primeira vez, dez anos atrás. E do nosso primeiro diálogo. Eu me lembrava de dezenas de episódios também, bons e ruins. Me lembrava de frases dele. E ele de frases minhas. De cenas. Depois disso, começamos a trocar emails. Telefonemas. Ele me convidou para sair. Saímos algumas vezes. Dormimos juntos. Ele telefonou no dia seguinte, fofamente. E desapareceu. Depois de uns dois meses de desaparecimento, mandei um email com um poema fofo. Nenhuma resposta. Dois meses depois do email não respondido, mandei outro perguntando da vida. Nenhuma resposta. E ele, até então, era minimamente educado. Bem, ele está vivo (risos) , pois tenho fontes seguras que dão conta disso. O cara é casado há uns dez anos e tem um filho. Até entendo a descontinuidade do caso, mas não entendo o desaparecimento mal-educado. Daí penso: isso tudo é medo ou descaso mesmo? Ah, pra completar, frase do cara no dia em que jantamos a primeira vez: 'Há muito tempo eu não me sentia assim, vivo'."


Eneida,


Pedir demissão por um homem não é pouca coisa. Como ele a influenciava, hein? Quando um casal de amigos se odeia está exercendo o amor. Se os dois vivem se provocando, querem chamar atenção a qualquer custo, mesmo que seja por brigas e discussões. Não conseguem ser honestos, pois sentem uma atração irremediável e escolhem a maldade para desafogá-la. Não aceitam que estão enredados, e remam contra as facilidades. Diante da consciência, são incompatíveis, mas no fundo não conseguem ficar longe um do outro.


O que deu errado? A linha estava ocupada, o cara era casado e a história partiu de sua iniciativa. Ele foi no embalo, para reviver um período do passado, não construir um futuro. Algo como resgatar uma dívida e preencher uma relação em aberto.


Desde a retomada, ele a percebeu como um caso. Ofereceu o que podia para esse prazo. Destinou uma cota de amor, sem o risco de esquecer o caminho de volta. Desapareceu quando viu que seu projeto finito estava sob perigo e que a troca de intimidade exigia mais dedicação.


Esqueça frases como "há muito tempo eu não me sentia assim, vivo". Morto não fala. Ele deve ter desejado ficar contigo, mas o casamento e outras comodidades foram mais fortes.


Há duas maneiras de ser fraco: fraqueza partilhada, que gera a confusão, e fraqueza recalcada, disfarçada de segurança. Ele escolheu a segunda, que não colabora para a transparência. Foi mal-educado, porque ainda podia escolher. O melhor é se não houvesse mais possibilidade de escolha.


Então respondo: é medo que virou descaso.


Enviem cartas com suas dúvidas de relacionamento para carpinejar@terra.com.br

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