quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

5/10/2006 01:46:25 PM

BANHO DE LÍNGUA

Para Ana, em seu aniversário

Pintura de Gustav Klimt


Fabrício Carpinejar





Não suporto a idéia de homens que mal deixam o corpo da mulher e logo vão tomar banho, logo querem se afastar daquele ato e se desculpar da impetuosidade. Lavam a boca para escorrer ao longe as palavras e as frutas. Lavam as pernas da boca.


Levantam como um ritual cumprido, um ofício, um trabalho, e desejam apagar o desejo. Eliminar os vestígios, os sinais, a saliva em seu corpo. Esfregam com o sabonete a língua, o gozo, os odores fortes de montanha. Esfregam-se de pudor.


Fazem desaparecer o suor que os pássaros só encontram em sua plumagem depois do vôo. Desejam suavizar os arranhões e recuperar a aparência. Desejam sair bruscamente do quarto porque não suportam o prazer depois do prazer. O prazer depois do prazer é levitação, é feminino.


Que não se deitam mais para recomeçar, que não dormem agarrados com a nudez dela a completar os seus músculos, que não preparam uma fogueira com as unhas nos cabelos dela, que não suspiram após gemer. Que não ficam a conversar sobre as distrações da infância, a conversar à toa sobre os planetas que não foram descobertos, a rir dos vaga-lumes histéricos fora de casa.


Que não afundam a respiração nas cobertas e nos travesseiros, que não inspiram o vinho antes de beber. Que desertam no momento em que encontraram um sentido. Que se arrependem de seus instintos e colhem as calças, as meias, a camisa e o medo do chão.


Não suporto homens que não tomam o cheiro de sua mulher como seu próprio cheiro. Que repelem a permanência, a toada, a constância, que se irritam com uma intimidade que não seja movimento e sexo. Que se lavam como se tivessem pecado e se apressam em reconstruir as frases. Que não se inclinam para beijar de novo e descobrir uma porção invisível da boca no rosto.


Que trocam o corpo imediatamente como quem troca lençóis, trocam o corpo como quem troca de roupa, trocam o corpo como quem troca de rua. Que ajeitam a cena e procuram as horas e as chamadas não atendidas no celular. Que se vêem culpados pela masculinidade, por revelar suas fraquezas. Que encurtam os braços nas portas e desistem de esculpir o pêlo nas curvas. Que são outros, frios e indiferentes, ao deixar a cama.


Eu não me sinto sujo depois do sexo. Eu me sinto limpo, eu me sinto perfumado, eu me sinto enredado de nascimento. E não darei tão cedo minha memória para a água.

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