quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

4/29/2006 10:40:15 AM

MUDAR PARA LEMBRAR

Gravura de Edward Burne-Jones


Fabrício Carpinejar





Você muda o cabelo, o comprimento, a cor, para não deixar pistas de quem mexeu, de quem ainda mexe nele em segredo cada vez que respira fundo. Ele não se despediu verdadeiramente. Ou será que você não insistiu? A dúvida não diz sim nem não, como se não houvesse palavras para derrubar a vontade da boca. Ficou assim, o dito pelo não-dito, o incerto, o indefinido.


Ambos não foram legíveis, foram confusos. A separação confunde.


Você percebe que o cabelo não é suficiente. Depois do primeiro dia, ainda depende do seu amor. Aliás, depende ainda mais forte dele. Pois agora quer mostrar o cabelo novo.


Você decide baixar o armário, alterar o corte das roupas e renovar os acessórios. Agride os próprios gostos, desfaz o preto, como se pintasse quadros com as mãos, sem a mediação dos pincéis. Seu corpo está diferente, o ajuste, a vibração. As pernas mais dadas para a rua. Entra na academia de ginástica. Treina como uma condenada. Mas não é suficiente. Percebe que está mais gostosa do que antes. Ele poderia enfim se decidir.


Você pinta as unhas, o escândalo do roxo. Ao tomar café, recobra que ele escolhia o pingado, pensa nele antes de seu pedido, pede pela primeira vez com leite e o mistura com os dedos, sem a mediação das colheres. Isso a excita, recordar dele a excita, mesmo que tenha se transformado em outra. A outra deseja conhecer ele, de tanto que a antiga contou detalhes.


Você apagou o telefone dele do celular. Apagou o nome dele da caixa de mensagens. Está se desacostumando a ele, não recorda precisamente os diálogos. Vão desvanecendo como papel de fax. Bate o terror de ser apenas mais um caso. Não tem como dominar o jeito que ele a guardará, a forma como a guardará. Descobre que seu maior receio é não ser lembrada. Como está o esquecendo, ele também pode estar a esquecendo. Liga para ele, deixa tocar quatro vezes, ele não atende.


Fica com raiva, raiva de não ser atendida. Ou raiva da fraqueza de telefonar. A dúvida volta. Nunca se termina aquilo que se deseja. Corre obcecada para uma loja de móveis. Revira a decoração da casa, altera os objetos de lugar, troca o estilo da sala. Mais despojado, mais rústico. Rústico era o rosto dele com a barba por fazer. Ele a arranhava na hora de sussurrar. Não avisou a pele que vocês estão separados e ela permanece esperando o encontro.


Crê verdadeiramente que, mudando por fora, encontrará o atalho para mudar por dentro. Não a ensinaram a se despedir. Os homens morreram em sua vida e não foram enterrados. Desiste de mudar quando toca seu telefone. Deixa tocar quatro vezes e não atende.


Você e ele desaprenderam a falar.

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