quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

4/2/2005 09:34:48 AM

PATINHO FEIO


O Caderno Cultura do jornal Zero Hora faz uma homenagem ao escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, um dos autores mais conhecidos da literatura infantil, nascido há 200 anos. Pediu novas versões de suas fábulas para escritores contemporâneos. Dei uma nova roupa do rei ao Patinho Feio.



CISNE DE CANTO


Fabrício Carpinejar





Ele preferia ser um pato bonito do que um cisne feio. Como cisne, não oferecia nenhuma atenção junto de seus iguais. Seria mais um entre tantos, pouco educado e de modo selvagem. Os outros cisnes não dariam bola para sua plumagem branquíssima de lençol, às suas pernas situadas muito atrás e ao seu fôlego para percorrer grandes distâncias - todos teriam as mesmas qualidades. Em sua turma de patos, ao contrário, todos reparavam em suas habilidades sobrenaturais e o admiravam. "Olha o que ele faz?", exclamavam os colegas, estupefatos (ou estupepatos). Ficou sendo conhecido como "o santo voador". Treinou hábitos de guerrear contra os caçadores e de gritar com fúria para invasores. Era um cisne afinal, mas que diferença faria ser pato ou cisne naquela lagoa que era na verdade um açude de água artificial? Que diferença faria ser pato ou cisne se a patroa continuava a chamá-lo de pato? O pato ri ao falar qualquer coisa: quáquáquá! O cisne já é tão sério e vaidoso, parece que está desfilando e sendo avaliado por uma comissão de carnaval. Decidiu ser um patinho falso junto de patinhos verdadeiros para ser um cisne verdadeiro diante de cisnes falsos. Os patos não contavam com a escada de seu pescoço. Ele acabava sendo o primeiro a ver a tripulação inimiga avançar e ganhou uma importância de mirante no bando. Não revelou a ninguém o segredo, nunca, especialmente quando descobriu que "canto de cisne" significava um canto de morte. O cisne morria quando cantava. E ele não queria aprender a cantar para morrer. Melhor ficar de canto e ser um pato vivo do que cantar e ser um cisne morto. Não abriu a boca para ter uma vida longa, bem mais longa e próspera como pato.


(Caderno Cultura, jornal Zero Hora, Porto Alegre/RS, 2/4/05, Edição nº 14466)

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