quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/7/2005 06:42:24 AM

A PACIÊNCIA DA FRAQUEZA


Fabrício Carpinejar





"Fiquei escura por dentro. Nada que dure muito, espero. Li numa carta do Caio F. A. "a fraqueza me deixa impaciente". Eu sinto a mesma coisa, e é o que acaba me salvando. De qualquer forma, não é um escuro árido, quase nunca é. Meus escuros são cheios de uma umidade familiar, uns cheiros salgados. Consigo me aninhar dentro deles e ficar lambendo o pêlo como um gato. Mas o brabo é aquela sensação física, sabe? Não é possível que só eu tenha! Uma sensação muito específica acima do estômago. Uma vez eu a descrevi para uma doida que ensinava técnicas de relaxamento (as coisas que eu já fiz!!!) como uma esfera de chumbo, ou um buraco negro, não sei qual das duas imagens se aplica melhor. Um peso horrível ou um vazio onde tudo cabe, e some. Mas sobretudo onde alguma coisa dói."


Minha amiga, há dúvidas que são anti-sociais: se isolam, não questionam, não levantam o braço, não pretendem se resolver, não aceitam companhia. Elas me dominam em alguns dias. Fecho-me na sala, no quarto, onde tiver paredes e calhas. E o silêncio me perturba, estar sozinho me perturba, estar protegido me perturba. Nesses dias, sou eu que me incomodo. Não ter nada para fazer, nada para pensar, nada para ouvir é profundamente aborrecido. Não depender de mim é insuportável. Mergulho nas coisas para me afogar e acabo as decifrando. Fracasso ao me ferir porque grito bem antes de machucar a pele, como uma criança que berra para negociar. As crianças são sábias, o que fazer com elas quando gritam em locais públicos? O pai e a mãe não descobriram se o melhor é ceder e não passar por vexame ou sufocar a manha com vigor e suportar o grito mais alto, o escândalo dos olhos e o julgamento da rua. Entendo essa umidade salgada, que é mais uma lentidão do que uma luz. Descobrir o que acontece não resolve. Não se diz nada, não se arrisca uma palavra, fica-se calado um tempo imenso olhando o inseto que pode ser a própria boca - qualquer pergunta o assustará. Desde piá, entro em lugares onde mais temo. Havia uma casa abandonada, fantasma, em minha rua. Enlouqueci de susto, mas pisei lá dentro. Segurei na maçaneta da porta e baixei o trinco - queria ter corrido no ato e insisti. Eu disputo corridas com o meu pavor. Os colegas exaltaram minha coragem. Toda coragem é uma interpretação equivocada, era o mais medroso da turma. Precisava me livrar do medo por isso entrei ali, o que não significa que não tenha medo. Tinha e tenho o medo em excesso. Às vezes procuro dar amor e dou medo. É involuntário, ele vem misturado no sangue.


O vazio não dói, senão haveria remédio. E como achar seu local, seu esconderijo preciso? Se pudesse explicar minhas manias, explicaria minhas virtudes. Por que unicamente freqüento meu banheiro e não suporto outros banheiros que não o meu? Por que não como nenhum salgadinho frio em festas e casa de amigos? Por que estaciono apenas em garagens ou em esquinas? A loucura não é o temperamento, é a ausência de temperamento. Minhas pequenas fobias me resguardam. São minha sanidade. A fraqueza me ensina a paciência.


Somente quem entra dentro de si pode dizer que conheceu o mundo, ainda que não se agrade com o que encontrar.

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