quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/6/2005 11:46:01 AM

Estado de São Paulo, Cultura, Domingo, 06/03/05


"HÁ PERSONAGENS QUE SÃO MEUS CONSELHEIROS"



CARPINEJAR -Apreço pela Casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo





Fabrício Carpinejar, de 32 anos, poeta gaúcho, é autor de As Solas do Sol (Bertrand Brasil, 1998), Um Terno de Pássaros ao Sul (Escrituras Editora, 2000), Terceira Sede (Escrituras, 2001), Biografia de Uma Árvore (Escrituras, 2002), Caixa de Sapatos (Companhia das Letras, 2003) e Cinco Marias (Bertrand Brasil, 2004). Na Bienal do Rio lançará livro de poesia pela Bertrand Brasil. Recebeu vários prêmios, como Olavo Bilac 2003, da Academia Brasileira de Letras; Cecília Meireles 2002, da União Brasileira de Escritores (UBE); e o Açorianos de Literatura, edições 2001 e 2002.


Que livro você mais relê?

A Divina Comédia, de Dante Alighieri, e Pedro Páramo, de Juan Rulfo.


E que livro relido ficou melhor?

Os Sertões, de Euclides da Cunha.


Dê exemplo de um livro muito bom injustiçado.

Antologia Poética, de José Chagas, escritor de São Luís. Citaria ainda o argentino Macedonio Fernández, que inspirou Jorge Luís Borges.


Cite um livro que frustrou suas melhores expectativas.

Uma experiência recente: Rabos de Lagartixa, de Juan Marsé. Título convidativo e enredo pouco inspirador.


E um livro surpreendente, ou seja, bom e pelo qual você não dava nada.

Assim na Terra, de Luiz Sérgio Metz, a mais densa prosa poética feita no Rio Grande do Sul. Peguei emprestado e não devolvi.


A boa literatura está cheia de cenas marcantes. Cite algumas de sua antologia pessoal.

Quando Riobaldo descobre o segredo de Diadorim. Ela está morta e ele recapitula o seu amor obscuro, sua neblina e doidagem (Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa). Ou o final de Macabéia, de A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, quando a protagonista se encontra com sua profecia. E ainda a despedida de Morte em Veneza, de Thomas Mann.


Que personagens ganharam vida própria na sua imaginação de leitor.

Há personagens que são meus conselheiros. Brás Cubas, de Machado de Assis, é meu amigo mais antigo. Eu chego a sentir o irritante cheiro de sua loção pós-morte.


Que livro bom lhe fez mal, de tão perturbador?

A Metamorfose, de Kafka. Não há nem saída de incêndio.


E que livro mais o fez pensar?

Poesia Toda, de Herberto Helder. Livro que exige pacto: ou o leitor está com o autor dentro do espelho ou o leitor não enxergará a si mesmo.


Literatura policial é um gênero menor? Se a resposta for negativa cite um livro maior do gênero. Se for positiva, diga por quê.

Não, literatura não estraga fora da geladeira ou da universidade. George Simenon prova a longevidade do romance policial. Dos brasileiros, Flávio Moreira da Costa (Três) e Luiz Alfredo Garcia-Roza (O Silêncio da Chuva e Achados e Perdidos).


Cite:


Um livro cansativo, mas bom

Paradiso, de Lezama Lima.


Um livro que você acha muito bom mas que jamais leu.

Não existe isso, mas Finnegans Wake me transforma em troglodita.


Um livro difícil, mas indispensável.

Sonetos, Fábula de Polifemo e Galatéia e As Soledades, de Góngora.


Um livro que começa muito bem e se perde.

Estorvo, de Chico Buarque. O começo - a partir de um olho mágico - é perturbador. Depois é muito pensamento difuso para pouca ação. O melhor dele é Budapeste.


Um livro que começa mal e se encontra.

O Pêndulo de Foucault, de Umberto Eco. Voltei seis vezes até pegar o ritmo.


Um livro pretensioso.

A Comédia Humana, de Balzac. No bom sentido. E Em Busca do Tempo Perdido, de Proust. Sem pretensão, não existe ousadia e invenção.


Um livro pior do que o filme baseado nele.

Um precisa salvar o outro. Se os dois são ruins, o diretor foi fiel ao livro. Não me lembro ou não quero me lembrar.


Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse suprimido?

Os livros de Pablo Neruda, com exceção de Residência na Terra e Cem Sonetos de Amor. O autor se tornou uma grife, transformou suas metáforas em jogo e sacrificou a autocrítica pela popularidade. Palavroso. Prefiro a insolência do conterrâneo Nicanor Parra e a aridez do peruano César Vallejo.


De que livro você mudaria o final? Por quê?

Capitães de Areia, de Jorge Amado. A literatura perde o jogo para a ideologia. É um final conformado, açucarado, que tenta redimir politicamente o destino da criança.


Que livros que contrariam suas convicções mas que ainda assim você julga recomendáveis?

Viagem ao Fim da Noite, de Louis-Ferdinand Céline.


Cite exemplos de livros assassinados pela tradução e exemplos de boas traduções.

Obras assassinadas são aquelas que não são vertidas do idioma original. Excelente tradutor é Ivo Barroso, com a Poesia e Prosa Completas, de Rimbaud.


A literatura contemporânea é muito criticada. Que livro (s) publicado (s) nos últimos dez anos mereceria, para você, a honraria de clássico?

Eles Eram muitos Cavalos, de Luiz Ruffato, e Lorde, de João Gilberto Noll.


Para que clássico brasileiro, de qualquer tempo, você escreveria um prefácio incitando a leitura?

Libertinagem e Belo Belo, de Manuel Bandeira. Pela explosão cotidiana.


Que livros (brasileiros ou estrangeiros) sempre presentes nos cânones que não mereceriam seu voto? E um sempre ausente no qual você votaria?

Excluiria da lista qualquer livro que fez escola. Deixaria somente os que não deixaram herdeiros. Na poesia, um esquecido é Invenção de Orfeu, de Jorge de Lima. Na prosa, Obra Completa, de Campos de Carvalho, o melhor de nosso humor lírico.


Sobre a crítica:


Que livro festejado pela crítica você detestou?

Um Escravo Chamado Cervantes, de Fernando Arrabal. Irritante e pernóstico.


E que livro demolido por críticos você gostou?

A Casa dos Budas Ditosos, de João Ubaldo Ribeiro. Obscenamente divertido.


E que bons autores você só descobriu alertado pela crítica?

Georges Perec. Fiquei viciado depois. Vida, Modo de Usar divide minha preferência, em termos de virtudes imaginárias, com Cidades Invisíveis, de Italo Calvino.


Cite um vício literário que você considera abominável.

No texto, prolixidade, pomposidade e arrogância. Fora do texto, colocar a mão no queixo, tipo O Pensador de Rodin e fazer pose de intelectual nas fotos.


Que virtude mais preza na boa literatura?

Simplicidade e arrebatamento.

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