NÃO ME APRESENTE AOS AMIGOS
Pintura de Robert Rauschenberg
Fabrício Carpinejar
Amor não é caridade, nem filantropia.
O que ofende a solidão é alguma amiga chegar e comentar: "tenho um amigo para apresentar". Ela não está consultando sua opinião, não pede uma resposta, já marcou o encontro e a descreveu ao pretendente. O panorama recrudesce se o programa não é a dois, mas assistido, com a participação de outros casais a narrar, comentar e fazer hola em cada aproximação. Desde quando solteira é atração de circo?
"Tenho um amigo para apresentar" é a frase mais escabrosa que se pode ouvir. Uma forma de chamá-la indiretamente de encalhada. Mais agradável designá-la de gorda. A amiga se julga uma Madre Teresa de Calcutá, distribuindo as riquezas aos pobres e diminuindo a desigualdade. Deseja ajudar, mas no fundo atrapalha. Em nenhum momento, cogita a hipótese de que se está muito bem sozinha.
Pelo fato dela estar com namorado ou casada, não suporta que alguém esteja solteira. Quer exterminar as solteiras da cidade, pois não é suficiente casar, o mundo tem casar junto com ela para não se arrepender ou questionar sua rotina.
A solidão é também uma escolha. Infelizmente, em nossa cultura casamenteira, é filtrada como inabilidade em encontrar uma cara-metade, vista como incompetência amorosa.
Quando se escuta "tenho um amigo para apresentar", lamenta-se não ser avestruz ou toupeira para se esconder em um buraco. Perderá o controle da própria vida, a pose, o orgulho, o luxo da iniciativa. Inicia uma campanha de mobilização onde todos saberão que está disponível. Lança-se um pedido de socorro e a pretensa afogada toma sol na areia. Com a fragilidade escancarada, vexame é pouco, será difamada nos almoços familiares.
"Tenho um amigo para apresentar" indica, ao mesmo tempo, que não desfruta de condições para conseguir sozinha e pelos seus méritos uma paixão. Sua independência é confundida com carência, seu apartamento com oferta do Sine.
Amor encomendado nunca funcionou. Como fazer render um encontro que a expectativa mínima é a de namoro e a máxima é de um casamento? Amor surge ao léu, de imprevisto, sem nenhuma preparação psicológica e pesquisas de opinião. Não se passa por teste vocacional, o amor pode contrariar a carreira.
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
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