quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

3/31/2006 09:41:00 AM

ENTERRE-ME SENTADO

Pintura de Pierre Soulages


Fabrício Carpinejar





Meus primeiros beijos foram no cinema. Nervoso entre oferecer a bala ou os lábios, nervoso de segurar suas coxas ou ler as legendas. Meio de lado, meio de frente, inclinado para os dois caminhos. Na primeira tentativa, ela negava. Na segunda, ela negava. Na terceira, a dúvida já nos unia.


O sutiã é um cinto afivelado por dentro. Demora muita carne para chegar. Não vi os seios que toquei, minha mão viu e depois me contou. Não há nada nas árvores mais macio e liso. O mamilo era unha da neve. A unha que cavaria a minha vida. Meus melhores filmes eu não assisti. O cinema foi minha praça. Meu portão. Minha cama. Meu carro. Minha iniciação. Aprendia a sussurrar no cinema. Aprendi a usar os cotovelos nas camisas femininas para pedir aproximação. Aprendi a embaraçar as pernas e não andar com as minhas. Aprendi a não ser igual no dia seguinte.


Posso estar doente, triste e enjoado, o cinema me acalma. Um tempo comigo, um outro ritmo, pouco a resolver. O cinema não me cobra decisões, não me cobra palavras. Ele respeita meu silêncio de ervas daninhas. Arboriza a barba com lã e quietude. Me protege da chuva e dos ruídos do estômago. O cinema me cura da tosse, da covardia de morrer, da incompreensão do trabalho. O cinema é um hotel. Ao definir a poltrona, estou escolhendo um quarto.


Deixo o filme resolver o que estava desorganizado. O cinema segura o livro para mim. Não penso, pressiono o corpo no fundo da cadeira. O cinema tem o cheiro de mato, os cipós de centenas de sopros entrelaçados. Por um momento, sou amigo de todos que estão na sala. Respiramos juntos como uma orquestra. O violino abraça o violoncelo, a flauta avisa do perigo dos carros para o trombone. Os ouvidos vivem o suspense da caridade, a receber as moedas no chapéu.


O cinema me acalma, desde a bilheteria. O tapete vermelho como da casa antiga. Preso no chão como um lagarto, sou subornado a pássaro. Parto o pescoço para o alarido das imagens. E viajo acompanhado de minha mulher. Nenhuma ave viaja sozinha. Desde o primeiro beijo, eu não consigo ir ao cinema sozinho. Não suporto uma alegria sozinho. Uma incompetência ao escuro, o ombro de minha mulher é o abajur que busco em segredo.


Quando sou feliz, preciso me repartir. Escorar-me no rumor de água. Preciso de uma mão mais do que o braço da poltrona.

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