quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

2/25/2005 02:09:45 PM

CONVERSA SÉRIA

Gravura de Magritte


Fabrício Carpinejar






Pede-se transparência como se fosse fácil. Falar os assuntos com franqueza, esquecendo que existe a fraqueza por detrás. Conversar com os filhos abertamente, com o namorado abertamente, com os pais abertamente não é dizer tudo. Relação aberta é também não falar. A honestidade termina quando cai no constrangimento ou na vergonha. A conversa não pode diminuir o interlocutor, fazê-lo sentir culpado, ínfero, humilhado. Cito duas cenas de ilustração. Um amigo se masturbava no banheiro. Sua irmã mais velha pegou a cópia da chave e o flagrou no ato. Não bastando, gritou a sua colega de escola que o irmão estava batendo punheta. Pelo que sei, citou até o tamanho do pênis. É óbvio que o amigo ficou vexado a ponto de não olhar para suas calças durante um mês. É traumático confundir liberdade com intimidade. A linguagem não permite a clareza integral, muitas vezes não dizer é um modo de compreender. O escuro conforta e oxigena. Nada demais em se masturbar, eu faço, a maioria faz. Que ridículo seria o pai ou a mãe chegar do trabalho e perguntar: " filho, te masturbou hoje?" Abordar o sexo não é torná-lo uma religião, com minúcias extravagantes e irritantes. Hábitos são saudáveis desde que não transformados em caricaturas ou depreciados em manias. Não é justo apagar o sentimento da jogada. O amigo estava reagindo com a sua sexualidade de um modo espontâneo e natural. O problema não era dele, mas da irmã, que o retorquiu como se ele fosse uma aberração. Duvido quando sou convidado para uma conversa séria, sei que terei que enfrentar um novo trauma pela frente. Conversa séria é quando não existe o que expor, desembocando nos preconceitos e projeções distorcidas. "Olha, queria te avisar, meu filho, que é recomendável ter cuidado ao transar?" Não encontro saída de incêndio: ou desliza para o sermão, moralista e duvidoso, ou às censuras, intimidando a expressão. Não sugiro nenhuma conversa séria, com trilha sonora de filme de terror. Quero falar as verdades me importando com as verdades de quem eu falo, não sobrepondo as minhas verdades às verdades dele. Não sou zelador em vida das pedras dos dez mandamentos. É fundamental sair do meu ponto de vista para não ficar cego. Conversa séria pode ser divertida, imbuída de alegria e autocrítica. Recordo que a primeira vez que transei em casa sujei seriamente os lençóis. Não tinha noção do funcionamento da máquina de lavar. Passei um sufoco para me livrar do pânico: o que a minha mãe iria concluir? Escondi os panos no armário da lavanderia. Era patético esconder naquele canto, numa caixa de papelão, alguém perceberia a falta, porém quando estamos com receio realizamos as coisas mais absurdas. Minha mãe deve ter encontrado os lençóis (sumiram dali em três dias), lavado e não me comentou uma nuvem. Não me censurou, não me deixou culpado. Sua educação me protegeu e me inspirou a confiar nela. Não me vi como um animal acuado, e sim como alguém aprendendo a lidar com a vida. Relação aberta é também respeitar o silêncio.

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