MATÉRIA DE CAPA DO CADERNO DONNA, JORNAL ZERO HORA
Porto Alegre (RS), 20/02/05 Edição nº 14425
UM CLOSE NO AMOR
PATRÍCIA ROCHA
Julia Roberts, Jude Law, Natalie Portman e Clive Owen no filme "Perto Demais"
Foto(s): Columbia, divulgação/ZH
Adriana Deffenti (à esqueda), Fabrício Carpinejar, Léo Henkin e Paula Taitelbaum (à direita)
Foto(s): Adriana Franciosi/ZH
"Cara, minha ex-namorada foi ver Perto Demais e depois me ligou indignada."
O desabafo acima foi ouvido em uma roda de amigos em Porto Alegre, na semana passada, e ilustra bem o impacto causado no público por este pequeno fenômeno do verão. O filme Perto Demais (Closer), de Mike Nichols, se tornou o assunto do momento - em casa e nas mesas de bar - ao traçar um retrato cruel das relações amorosas contemporâneas.
No filme, Anna (Julia Roberts), Dan (Jude Law), Alice (Natalie Portman) e Larry (Clive Owen) se apaixonam e se traem, trazendo à tona ao longo da trama o que há de mais inconfessável no amor: egoísmo, manipulação, falsidade. Desde a estréia, Perto Demais tem pautado colunistas de jornais e revistas, todos tentando pinçar detalhes reveladores escondidos nas entrelinhas da história (confira trechos ao longo da reportagem). Esnobado pelo Oscar (concorre apenas nas categorias melhor atriz e ator coadjuvantes), o filme deve ultrapassar neste final de semana a marca de 1 milhão de espectadores no país.
Na semana que passou, Donna ZH reuniu quatro artistas gaúchos para discutir o filme em um café: o escritor Fabrício Carpinejar, 32 anos, o guitarrista e compositor do Papas da Língua, Léo Henkin, 44, a escritora Paula Taitelbaum, 35, todos casados, e a cantora Adriana Deffenti, 28, solteira. A idéia era reproduzir, sob o olhar da repórter, as conversas na saída do cinema que o filme tem provocado.
Fabrício foi assistir com a mulher e saiu se perguntando como os personagens ainda estavam vivos depois daquela "luta livre". Léo e Paula também foram ao cinema com os respectivos parceiros e saíram mudos. Adriana, depois de passar a tarde com uma amiga discutindo por que alguns relacionamentos não dão certo, saiu com ela em busca de um filme leve. Escolheu Perto Demais e chorou ao fim da sessão:
- Saí achatada. O filme mostra o que não queremos enxergar nos relacionamentos.
Juntos, os quatro passaram em revista a história, os personagens e as inquietações que eles provocam. Um dos poucos consensos a que chegaram é revelador e até serve de alerta.
- Não é um filme para discutir com o parceiro. Vai falar do quê? Do fracasso das relações? Perguntar com qual dos personagens ele se identificou? - diz Paula. - Melhor conversar com um amigo.
Esse foi só o início da conversa, que durou 1h30min, pontuada por diálogos e frases do filme. Se você ainda não assistiu a Perto Demais, fique tranqüilo: o texto revelará apenas alguns detalhes do filme - sem pistas do final. E fique à vontade para se apropriar das impressões a seguir quando for a sua vez de discutir a trama. Ou a relação.
Larry: Você gostou de fazer sexo oral nele?
Anna: Sim, gostei.
(...) Larry: Esse é o espírito. Muito obrigada por sua honestidade. Agora, desapareça e morra, sua cretina.
Os personagens do filme falam o que ninguém deveria dizer ao parceiro. Nem perguntar. Essa, ao menos, foi a conclusão da mesa: sinceridade total não quer dizer intimidade.
- Não digo que me identifiquei com o filme, mas, logo que saí, pensei: "Droga, já fiz isso, já falei demais" - afirmou Adriana. - Mas há coisas que não devem ser ditas. Toda mulher um dia encontra um homem e pensa: "Ele poderia ser melhor que meu marido". Mas não vai contar isso para ele. E vai estar mentindo?
- Todo mundo vai ter que mentir, deixar de dizer algo em algum momento. E isso não é pecado - respondeu Léo.
O cartaz do filme provoca ainda mais: "Intimidade é uma mentira que contamos a nós mesmos". Fabrício preferiu formular seu próprio conceito:
- Intimidade é humor e autocrítica, coisa que esses personagens não têm. São vaidosos, narcisistas, não conseguem enxergar o outro, e isso leva a apenas um destino, a posse.
- O filme é real, mas elevado ao cubo - disse Paula. - Até porque seria muito difícil quatro personagens assim se encontrarem.
Ainda bem. Foi o que permitiu a Fabrício sair do cinema e pensar:
- Não foi comigo.
Dan: Eu a amo porque ela não precisa de mim.
Ao ouvir essa frase, uma das personagens leva um fora. E os quatro debatedores da mesa engrenam mais uns 15 minutos de discussão. Se é difícil ser deixado, pior ainda decretar o fim.
- Já passei pelas duas posições e acho que o mais difícil é romper. É preciso ter muita coragem para ser odiado, deixar de ser o objeto de adoração - afirmou Paula
- E quem rompe sempre fica com a culpa - emendou Adriana.
E há perdão para quem trai? Um dos personagens é categórico: quem ama perdoa.
- Já vi de tudo, e não há regras - disse Fabrício.
- Eu já diria "Só um pouquinho, meu amor, eu te amo, mas me amo muito mais" - encerrou Adriana.
Dan: Quero Anna de volta.
Larry: Ela fez sua escolha.
Dan: Eu te devo desculpas. Me apaixonei por ela. Minha intenção não era te fazer sofrer.
Larry: Então, onde estão as desculpas, seu idiota?
Todos na mesa concordaram: os homens no filme (e talvez na vida real) são bem mais competitivos entre si do que as mulheres - os troféus da disputa. Ao longo de toda conversa, Fabrício insistiu numa tese que, a princípio, causou estranhamento, mas, no finalzinho, já estava quase convencendo Adriana e Léo:
- Se analisar o filme a fundo, o que existe é uma atração homossexual mal-resolvida. Os homens tentam encontrar resquícios um do outro através das mulheres.
Paula defendeu outra tese:
- Acho que se trata mais de uma demonstração do sentimento de posse dos homens. Se há uma gostosona que todos querem, não é apenas por vontade de transar com ela, mas de ostentá-la. Acho que as mulheres fazem um pouco menos isso. Ainda. Mas, em geral, estamos muito materialistas, e as pessoas quase virando objetos.
- Antes se dizia ficar. Agora estão falando "Peguei fulano" - disse Adriana.
- E o que se pega é objeto - apontou Fabrício.
Damien Rice: Não consigo tirar você da cabeça. (...) Até encontrar alguém novo.
O músico irlandês Damien Rice não é um personagem de Perto Demais, mas será tão lembrado quanto o filme. É dele The Blower's Daughter, a música-tema que emociona os espectadores. E também dá seu recado.
- A música fala de alguém que não sai da tua cabeça, quase uma obsessão. E isso é paixão, viciante, como quem precisa do prazer imediato da droga. Diferente de quando se ama: a pessoa está presente na tua vida, mas não o tempo inteiro - teorizou Paula.
- A música é o ponto alto - resumiu Fabrício. - Sem ela, se perderia muito: é a única esperança que há na história.
Então, por que ver algo tão desesperador? Paula respondeu:
- Depois de um filme como esse, a sensação é a de que não sou tão horrível nem tão culpada. E o bom é que a trama ainda te faz pensar: "Ops! Cuidado, não vá cair nesse jogo!". Afinal, perto demais se perde o foco.
"Logo que assisti ao filme foi desanimador. Mas, em seguida, as informações foram assentando e vi luz no fim do túnel.", Adriana Deffenti
"Não me identifiquei com o filme porque é muito DR - discutir a relação. E desejo não se dicute, se vive. O que se discute é a falta do desejo", Fabrício Carpinejar
"O filme é sobre a impossibilidade de chegar à verdade. Todo mundo quer ser o mais verdadeiro e isso é uma utopia.", Léo Henkin
"Não é o tipo de filme em que saio do cinema, vou comer uma pizza e esqueço. Saí mexida, mas não triste ou incomodada. Ao contrário, saí fortalecida.", Paula Taitelbaum
quinta-feira, 7 de janeiro de 2010
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