quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

12/12/2005 12:01:29 AM

UMA HISTÓRIA DE AMOR

Pintura de Chagall


Fabrício Carpinejar





As histórias de amor estão onde menos esperamos. Pode estar atrás do porta-retrato ou de um pingente de coração, de um telefone na carteira ou de uma chave avulsa. Converse mais do que um cumprimento com um desconhecido e ele achará um jeito de falar de uma paixão explícita ou implícita, resolvida ou inacabada. Na terceira pergunta, puxará a conversa para o lado do pulso, do batimento cardíaco.


Carla, a cabeleireira, descobriu uma paixão em uma festa. Eles ficaram se observando a noite inteira. Nenhum dos dois atravessou a pista para puxar conversa. Três horas fingindo prestar atenção no papo dos amigos e das amigas enquanto se vigiavam. Nada beberam para não sacrificar a espontaneidade. No final, ele tomou a iniciativa. Pediu um beijo de cara, para tornar tudo mais fácil depois. Ela não quis. Ele disse que ela era uma mulher difícil. Ela disse que era uma mulher normal. Ele disse que as mulheres normais são difíceis. Ou que as mulheres difíceis são as normais. Dançaram uma ou duas músicas juntos. Ela já estava saindo de carona. Era tarde. Eles se abraçaram. Ela tremeu no abraço. Foi o equivalente a uma descarga elétrica. Ele a segurou nos ossos. Não na carne. Segurou nos ossos. Não nos ossos dela. Ele a segurou nos ossos dele. Não aconteceu despedida. Ele prometeu passar no salão qualquer dia desses.


Qualquer dia desses é todo dia para Carla. Ela controla sua agenda para verificar se o nome dele não entra. Ansiosa de meia em meia hora. Quantos nomes iguais já passaram por ela que não eram ele? E sempre a expectativa da cara do nome, na fresta do biombo. Ela controla a porta para ver se ele não surge. Ela prende as mechas para mostrar o pescoço. Ela corta e massageia os cabelos dos clientes pensando que está lavando os dele. Distraída com o atraso. Distraída com um compromisso aberto para toda a vida.


Ela apenas queria tocar nos cabelos dele como se fosse barba, para o pêlo crescer no minuto seguinte e ela recomeçar. Como se fosse boca para não deixá-lo falar a não ser em sua boca. Mexer os dedos com rapidez, com agilidade de joelhos correndo. Mexer os dedos com a navalha que está escondida na tesoura e que só ela conhece. Ela fecha os olhos e imagina que a primeira noite não terminou, não começou, não existiu, para ser repetida. Não há como varrer os fios castanhos que ainda não foram cortados. Não há como recolher com a pazinha os fios castanhos que ainda não foram cortados.


Quem ler essa história julgará muito pouco, muito escasso, muito fugaz o encontro para acreditar em um amor. Foram um abraço, frases desconexas e uma promessa.


Mas o amor trata de imaginar o resto. O amor é o resto.

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